quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Concurso de Pessoas

Em nosso Direito Penal positivo há inúmeras infrações que podem ser praticadas por uma só pessoa. Outras, contudo, que exigem, no mínimo, quatro pessoas para que se possam confirmar (ex. quadrilha). Na primeira hipótese, estaremos diante dos chamados crimes unissubjetivos; na segunda, diante dos crimes plurisubjetivos.

Cuidando do concurso de pessoas, diz o artigo 29, caput, do Código Penal que “quem de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Este artigo aplica-se, como regra, aos delitos unissubjetivos, também conhecidos como delitos de concurso eventual, uma vez que para os crimes plurissbujetivos, ou de concurso necessário, não haveria necessidade de regra expressa.

Fala-se em concurso de pessoas, portanto, quando duas ou mais pessoas concorrem para a prática de uma mesma infração penal. Essa colaboração recíproca pode ocorrer nos casos em que são vários os autores, bem como naqueles onde existem autores e partícipes.

A pluralidade de agentes (e de condutas) é requisito indispensável à caracterização do concurso de pessoas. Se a conduta levada a efeito por um dos agentes não possuir relevância para o cometimento da infração, devemos desconsiderá-la e concluir que o agente não concorreu para sua prática. Também é essencial para a caracterização do concurso de pessoas o liame subjetivo, isto é, o vínculo psicológico que une os agentes para a prática da mesma infração penal. Se não se conseguir vislumbrá-lo, cada agente responderá, isoladamente, por sua conduta. Por fim, no concurso de pessoas também deve estar presente a identidade de infração penal. Os agentes, unidos pelo liame subjetivo, devem praticar a mesma infração penal. Seus esforços devem convergir ao cometimento de determinada e escolhida infração penal.

Para a teoria pluralista, haveria tantas infrações penais quantos fossem os números de autores e partícipes. Já a teoria dualista distingue o crime praticado pelos autores daquele cometido pelos partícipes. Para os dualistas haveria uma infração penal para os autores e outra para os partícipes. A teoria monista (unitária), adotada pelo Código Penal, aduz que todos aqueles que concorrem para o crime incidem nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade; para os monistas existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorrem, autores ou partícipes. O Código Penal adotou a teoria monista de forma temperada, uma vez que existem exceções (crime de aborto, em que a gestante pratica a conduta do artigo 124 do CP e aquele que nela realiza com o seu cometimento, comete o delito do artigo 126 do CP).

No que concerne ao conceito de autor, para os que adotam a posição restritiva, este seria somente aquele que praticasse a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Todos os demais que, de alguma forma, o auxiliassem, mas que não viessem a realizar a conduta narrada pelo verbo penal seriam considerados partícipes.

O conceito restritivo segue atrelado à teoria objetiva da participação, que segue duas vertentes: uma formal e outra material. Para a teoria objetivo-formal, autor é aquele que pratica a conduta descrita no núcleo do tipo; todos os demais que concorrem para erra infração penal, mas que não realizam a conduta expressa pelo verbo existente no tipo serão considerados partícipes. A teoria objetivo-material distingue autor de partícipe pela maior contribuição do primeiro na causação do resultado.

Os adeptos do conceito extensivo não fazem distinção entre autores e partícipes. Todos aqueles que, de alguma forma, colaboram para a prática do fato, são considerados autores. Este conceito está vinculado à teoria subjetiva da participação, a qual procura traçar um critério de distinção entre autores e partícipes, valorando o elemento anímico dos agentes. Existe uma vontade de ser autor (animus auctoris), quando o agente quer o fato como próprio, e uma vontade de ser partícipe (animus socii), quando o agente deseja o fato domo alheio.

Ocupando posição intermediária entre as teorias objetiva e subjetiva, surge pela cátedra de Hans Welzel a teoria do domínio do fato, cuja característica geral, como se extrai da denominação, é o domínio final sobre o fato. É considerada objetivo-subjetiva. Aquele que realiza a conduta descrita no núcleo do tipo penal tem o poder de decidir se irá até o fim com o plano criminoso, ou, em virtude de seu domínio sobre o fato, isto é, em razão de ser senhor de sua conduta, pode deixar de lado a empreitada criminosa. Para aqueles que adota um conceito restritivo de autor, não haveria dúvida em reconhecer como tal aquele que viesse a executar a conduta descrita no tipo.

A teoria do domínio funcional do fato resolve problemas com argumentos das teorias objetiva e subjetiva, acrescentado, ainda, um dado extremamente importante, qual seja, a chamada divisão de tarefas. Quando nos referimos ao domínio do fato, não estamos querendo dizer que o agente deve ter o poder de evita a prática da infração penal a qualquer custo, mas, sim, que, com relação à parte do plano criminoso que lhe foi atribuída, sobre esta deverá ter o domínio funcional. O domínio está, portanto, sobre as funções que lhe foram confiadas e que têm uma importância fundamental no cometimento da infração penal.

A teoria do domínio do fato tem aplicação nos delitos dolosos, não sendo cabível, quando a infração penal tiver a natureza culposa. Esta teoria tropeça nos delitos imprudentes porque neles não se pode falar em domínio do fato, já que o resultado se produz de modo cego, causal, não finalista. Nos delitos imprudentes, é autor todo aquele que contribui para a produção do resultado com uma conduta que corresponda ao cuidado objetivamente devido. Nos delitos dolosos é autor o que tem o domínio finalista do fato.

A teoria do domínio do fato fica mais evidente quando diversas pessoas, unidas pelo vínculo subjetivo, resolvem praticar uma mesma infração penal. Se autor é aquele que possui o domínio do fato, co-autores serão aqueles que têm o domínio funcional dos fatos. Dentro do conceito de divisão de tarefas, serão todos os que tiverem uma participação importante e necessária ao cometimento da infração, não se exigindo que todos sejam executores, isto é, que todos pratiquem a conduta descrita no núcleo do tipo. Podemos falar em co-autoria quando houver a reunião de vários autores, cada qual com o domínio das suas funções que lhe foram atribuídas para a consecução final do fato, de acordo com o critério de divisão de tarefas.

Autor pode ser aquele que executa diretamente a conduta descrita pelo núcleo do tipo penal, ocasião em que será reconhecido como autor direto ou autor executor; ou poderá ser, também, aquele que se vale de outra pessoa que lhe serve como instrumento para a prática da infração penal, sendo, portanto, chamado de autor indireto ou mediato.

Nosso Código Penal prevê expressamente quatro casos de autoria mediata, a saber: a) erro determinado por terceiro (artigo 20, §2º, do CP); b) coação moral irresistível (artigo 22, primeira parte, do CP); c)obediência hierárquica (artigo 22, segunda parte do CP); d) caso de instrumento impunível em virtude de condição ou qualidade pessoal (artigo 63, inciso III, segunda parte, do CP). Além dessas hipóteses, pode ocorrer a autoria mediata quando o autor se vale de interposta pessoa que não pratica qualquer comportamento – doloso ou culposo – em virtude da presença de uma causa de exclusão da ação, como ocorre nas hipóteses de força irresistível do homem e o estado de inconsciência.

É perfeitamente possível a autoria mediata nos crimes próprios, desde que o autor mediato possua as qualidades ou condições especiais exigidas pelo tipo penal. No que tange aos crimes de mão própria, o Superior Tribuna de Justiça decidiu que não há possibilidade de autoria mediata, entretanto, a participação via induzimento ou instigação, é plenamente admissível (Resp. n.º 200.785/SP). Isso porque, por serem crimes de atuação pessoal, autor será somente aquele que vier a praticar a conduta prevista no núcleo do tipo penal.

Não se cogita de autoria mediata porque a execução dos crimes de mão própria não pode ser transferida a ninguém. Pode haver uma quebra na regra geral na hipótese em que a testemunha seja coagia, irresistivelmente, a prestar um depoimento falso para beneficiar o autor da coação. Nesse caso, de acordo com a norma constante no artigo 22 do Código Penal, somente será punido o autor da coação, sendo este, portanto, um caso de autoria mediata.

Também deverá ser afastada a possibilidade de co-autoria nos crimes de mão própria. Isso porque, por se tratar de infrações personalíssimas, não há a possibilidade de divisão de tarefas. O delito só pode ser realizado pessoalmente pelo agente previsto no tipo penal. Embora não se possa falar em co-autoria, nada impede que haja concurso de participes. Merece registro o fato de que o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 402.783/SP, decidir ser possível, em tese, atribuir a advogado a co-autoria pelo crime de falso testemunho. No mesmo sentido dardeja a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Fala-se em autoria intelectual quando queremos nos referir ao sujeito que planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade. Pela teoria do domínio do fato, percebe-se, com clareza, a sua importância para o sucesso da infração penal. O artigo 62, inciso I, do Código Penal diz que a pena será agravada em relação ao agente que promove ou organiza a cooperação no crime ou, ainda, dirige a atividade dos demais agentes.

Conforme a redação do artigo 29 do Código Penal, é permitido punir o agente pelo fato de ter determinado a prática da infração penal, sendo chamado, em razão disso, de autor de determinação. Considere-se o seguinte exemplo: uma mulher (A) ministra sonífero a outra (B) e hipnotiza um homem (C) que, durante o transe, é levado a manter relações sexuais com aquela. Pelas teorias tradicionais, (A) não seria enquadrada como autoria mediata de estupro ou partícipe. Para essas hipóteses, surge a figura o autor por determinação.

A autoria por convicção ocorre nos casos em que o agente conhece efetivamente a norma, mas a descumpre por razões de consciência, que pode ser política, filosófica, religiosa, etc. (ex: pai seguidor das Testemunhas de Jeová).

A regra é que todos os co-autores iniciem, juntos, a empreitada criminosa. Mas pode acontecer que alguém, ou mesmo o grupo, já tenha começado a percorrer o iter criminis, ingressando na fase dos atos de execução, quando outra pessoa adere à conduta criminosa daquele, e agora, unidos pelo vínculo psicológico, passam, juntos, a praticar a infração penal. Em casos com teste, quando o acordo de vontades vier a ocorrer após o início da execução, fala-se em co-autoria sucessiva. Pode ocorrer não só até a simples consumação do delito, e sim até o seu exaurimento.

Se o agente, por exemplo, depois de iniciado um crime de roubo, cujos elementos integrantes do seu tipo penal são a violência ou a grave ameaça, ingressa na execução desse delito como co-autor sucessivo, não deixará de ser responsabilizado até mesmo com a causa especial de aumento de pena do emprego de arma, prevista no inciso I do artigo 157 do Código Penal, se tal tiver ingressado na sua esfera de conhecimento. Quando o autor sucessivo adere à conduta dos demais, responderá pela infração penal que estiver em andamento, desde que todos os fatos anteriores tenham ingressado na sua esfera de conhecimento, e desde que eles não importem fatos que, por si sós, consistam em infrações mais graves já consumadas.

Fala-se em autoria colateral quando dois agentes, embora convergindo as suas condutas para a prática de determinado fato criminoso, não atuam unidos pelo liame subjetivo. No exemplo clássico, suponhamos que (A) e (B) queiram morte de (C); por mera coincidência, os dois se colocam de emboscada, aguardando a vítima passar e quando a avistam, os dois atiram, no mesmo instante, sem que um soubesse da presença do outro naquele local. Embora o exemplo pareça surreal, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de enfrentar a questão no caso concreto, confira-se a seguinte ementa:

PENAL. CO-AUTORIA E AUTORIA COLATERAL. DISTINÇÃO. POLICIAIS MILITARES QUE, EM PERSEGUIÇÃO A VEICULO QUE DESOBEDECERA ORDEM DE PARAR, DESFEREM VARIOS TIROS EM DIREÇÃO AO VEICULO PERSEGUIDO, UM DELES ATINGINDO O MENOR QUE ESTAVA NA DIREÇÃO, MATANDO-O. CONDENAÇÃO DE TODOS OS POLICIAIS, O AUTOR DO TIRO FATAL PELA AUTORIA, OS DEMAIS EM CO-AUTORIA, POR HOMICIDIO CONSUMADO (ART. 205, PARAGRAFO 1., DO CPM), APESAR DE TER SIDO IDENTIFICADO O UNICO PROJETIL CAUSADOR DA MORTE COMO TENDO PARTIDO DA ARMA DO PRIMEIRO. HIPOTESE EM QUE, POR SER A PERSEGUIÇÃO AOS FUGITIVOS DESOBEDIENTES FATO NORMAL NA ATIVIDADE DE POLICIAMENTO, NÃO SE PODE TOMA-LA COMO SUFICIENTE A CARACTERIZAR A NECESSARIA UNIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO DIRIGIDO A CAUSAÇÃO SOLIDARIA DO RESULTADO. ASSIM, NESSA HIPOTESE OS DISPAROS DE ARMA DE FOGO DEVEM SER EXAMINADOS EM RELAÇÃO A CADA UM DOS RESPONSAVEIS POR ESSES DISPAROS, CARACTERIZANDO-SE, NA ESPECIE, A DENOMINADA AUTORIA COLATERAL. COMO APENAS UM DESSES DISPAROS, COM AUTORIA IDENTIFICADA, ATINGIU A VITIMA, MATANDO-A, O AUTOR DO TIRO FATAL RESPONDE POR HOMICIDIO CONSUMADO, OS DEMAIS, ANTE A PROVA RECONHECIDA PELO ACORDÃO DE QUE TAMBEM VISARAM A VITIMA, SEM ATINGI-LA, RESPONDEM POR TENTATIVA DE HOMICIDIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 37280/RS, Rel. Ministro ASSIS TOLEDO, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/1996, DJ 29/04/1996 p. 13426) Quando não se conhece a autoria, ou seja, quando não se faz idéia de quem teria causado ou ao menos tentando praticar a infração penal, surge uma outra espécie de autoria, chamada agora de desconhecida. Esta forma de autora difere da incerta, visto que nesta última sabe-se que praticou as condutas, sendo que somente não se conhece, com precisão, o produtor do resultado. Na autoria desconhecida, os autores é que não são conhecidos, não se podendo imputar os fatos a qualquer pessoa.

Zaffaroni e Pierangeli pugnam pelo reconhecimento da autoria de escritório. Essa nova modalidade de autoria, tida como mediata pelos citados doutrinadores, pressupõe uma ‘máquina de poder’, que pode ocorrer tanto em um Estado em que se rompeu com toda legalidade, como numa organização paraestatal ou como uma máquina de poder autônoma (máfia). Embora tratada como autoria mediata, o fato de alguém cumprir as ordens de um grupo criminoso extremamente organizado não o induz à condição de mero instrumento, tal como acontece nos casos em que se pode falar em autoria mediata. Não pode ser considerado simples meio, mas na concepção de Zaffaroni e Peierangeli, caso de autoria mediata especial.


Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.

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