segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Recebeu a mais!? Enriquecimento Ilícito e Pagamento Indevido

É freqüente que uma parte se enriqueça, isto é, sofra aumento patrimonial, em detrimento de outra. Aliás, no campo dos contratos unilaterais é isso precisamente o que ocorre. Entretanto, é possível que esse enriquecimento, ora decantado, opere-se sem fundamento, sem causa jurídica, desprovido de conteúdo jurígeno, ou, para se aplicar a terminologia do direito tributário, sem fato gerador. Nestas situações, é curial que ocorra um desequilíbrio patrimonial. Um patrimônio aumentou em detrimento de outro, sem base jurídica. A função primordial do direito é justamente manter o equilíbrio social, como fenômeno de adequação social.

Há obrigações que nascem de fatos ou atos que não se amoldam às fontes clássicas dos vários sistemas jurídicos. Entre tais obrigações incluem-se o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa, o primeiro como parte integrante do segundo.

Apesar de o pagamento ser forma de extinção das obrigações, o pagamento indevido produz exatamente o inverso, isto é, titulariza o solvens para a ação de repetição, criando uma nova obrigação.

O nosso Código Civil coloca o pagamento indevido e as disposições gerais do enriquecimento sem causa entre os atos unilaterais geradores de obrigações.

Moreira Alves, ao analisar a evolução do enriquecimento sem causa no Direito Romano, destaca duas correntes de opinião. A primeira segundo a qual os contratos reais sempre foram garantidos por uma dessas ações (reais). Pela segunda corrente, houve longa evolução no instituto, que a princípio inexistia, não sendo atacado por qualquer ação no período que pré-clássico; em somente algumas hipóteses na época clássica e somente no tempo de Justiniano é que teriam surgido diversas condictiones, podendo-se falar em um princípio genérico. A princípio, a condictio pressupunha unicamente a existência de um pagamento e que proviesse de um indebitum. Pode-se perceber que no direito justinianeu surgem possibilidades de se proporem ações fundadas no princípio geral do enriquecimento indevido; por influência da moral cristã, passam a ser admitidas outras condictiones sine causa.

A condictio indebiti era a principal e mais antiga condição. A indebiti solutio era colocada na lista dos “quase-contratos”. Tal condictio sancionava a obrigação do pagamento indevido, como hoje o conhecemos. Ocorria quando alguém pagava por erro, sempre, conduto, no intuito de libertar-se de uma obrigação.

Para que se configurasse a condictio indebiti, era preciso que houvesse uma solutio, ou seja, o cumprimento de uma suposta obrigação, e que essa solutio fosse indevida (quer porque o credor fosse outro, quer porque a obrigação na realidade não existisse). E mais, o elemento erro escusável deveria estar presente na solutio. Aponta-se, ainda, o fato de que o credor deveria estar de boa-fé, pois, se este estivesse de má-fé, a ação seria outra (condictio furtiva).

Como decorrência da exigência de boa-fé por parte accipiens, só responde ele pelo que efetivamente enriqueceu como o pagamento indevido. Nem sempre o empobrecimento do solvens é igual ao enriquecimento do accipiens; pode ser inferior, por exemplo, se o accipiens vende a coisa obtida por preço inferior ao seu valor, nesse caso, o accipiens não terá de devolver mais o que o verdadeiro enriquecimento. Essa noção é absolutamente válida para a doutrina hodierna, na qual, afora uma forma diversa de tratamento legislativo, muito pouco se criou.

A par da condictio indebiti destacam-se:

- condictio causa data non secuta: tinha por objeto a restituição de coisa dada em troca de outra que não o foi ou em troca de serviço não executado;

- condictio ob injustam causam: visava à restituição daquilo concedido por causa contrária ao direito;

- condictio ob turpem cusam: existente quando alguém tivesse obtido uma prestação como final imoral. Tal condctio era concedida mesmo que o accipiens tivesse executado a prestação imoral.

Nas legislações do tipo causalista, cujo paradigma é o direito francês, não há princípio expresso de enriquecimento, afora as situações de pagamento indevido, ao contrário do que ocorre nas legislações nas quais o contrato é abstrato, cujo paradigma é o direito germânico.

O direito alemão criou, na matéria, uma teoria de conjunto, substituindo a enumeração das várias condictiones romanas. Objetivou-se um princípio geral, o que não impede que o outro sistema (causalista) alcance os mesmos resultados. Eis o artigo 812 do Código Civil alemão: “Todo aquele que, por uma prestação feita a outra pessoa, ou de qualquer outro modo, fizer, à custa alheia, uma aquisição, conseguir um aumento patrimonial, sem causa jurídica, ficará obrigado à restituição”.

O contrato, no direito alemão, é, por essência, um ato abstrato. Daí porque a ação de enriquecimento ilícito não tem, no sistema germânico puro, o caráter de subsidiariedade encontrado em outras legislações. Isso significa que, entre nós, sobreviverá a ação de enriquecimento ilícito não havendo outro remédio no ordenamento processual, como, por exemplo, a ação de nulidade do negócio jurídico.

Do princípio do citado artigo 812 do Código Civil alemão defluem três elementos: um enriquecimento feito por alguém, à causa de outrem e, portanto, um empobrecimento deste último, fenômeno esse produzido sem causa jurídica.

Na França, sempre se admitiu o princípio do injusto enriquecimento, como fonte não contratual de obrigações. Apesar de não possuir o direito positivo uma regra geral, consideram em vigor a ação in rem verso, em razão de a jurisprudência sempre a ter admitido. Conclui-se por enquadrar a regra do enriquecimento ilícito como forma de aplicação da equidade de origem costumeira.

O atual Código Civil italiano coloca o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa como fonte de obrigações. O código português consagra, em seu artigo 473, o princípio do enriquecimento se causa, como fonte autônoma de obrigações, cuja ação é subsidiária.

O sistema brasileiro não se afasta do direito francês, hoje admitido o enriquecimento sem causa como fonte autônoma de obrigação, como ato unilateral. O legislador pátrio desejou eliminar a causa do elemento dos contratos, sem porém fazê-lo, porque a causa integra a própria noção de negócio jurídico. Nosso direito é, portanto, causalista. Segundo o princípio geral, sempre que houver prejuízo econômico sem causa jurídica, haverá direito à ação de enriquecimento. O princípio não se confunde com a indenização por perdas e danos. Não se está no campo da responsabilidade civil. A noção de culpa pe irrelevante para o princípio geral.

Existe enriquecimento injusto sempre que houver uma vantagem de cunho econômico em detrimento de outrem, sem justa causa. Esse é o sentido do artigo 884 do Código Civil. O enriquecimento pode ter como objeto coisas corpóreas ou incorpóreas. Independe, também, o enriquecimento, de um ato positivo do accipiens, ou até do solvens. Pode promanar de uma omissão. A ação in rem verso objetiva tão-só reequilibrar dois patrimônios, desequibilibrados sem fundamento jurídico. Não diz respeito à noção de perdas e danos, de indenização de ato ilícito e, nem sempre, de contratos. Deve ser entendido sem justa causa o ato jurídico desprovido de razão albergada pela ordem jurídica. A causa poderá existir, mas, sendo injusta, estará configurado o locupletamento indevido. O enriquecimento também pode emanar tanto de ato jurídico, como de negócio jurídico, e também como de ato de terceiro.

Não são muitas as situações de enriquecimento indevido levadas a nossos Tribunais, fato este que confirma a assertiva de que o sistema de nulidades dos atos jurídicos preenche as necessidades, confluindo para a noção de causa em nosso direito. Sobreleva-se o caráter subsidiário da ação in rem verso, cotejando-se sempre com a causa do negócio jurídico.

A restituição deve ficar entre dois parâmetros. De um lado, não pode ultrapassar o enriquecimento efetivo recebido pelo agente em detrimento do devedor. De outro, não pode ultrapassar o empobrecimento do outro agente, isto é, o montante em que o patrimônio sofreu diminuição.

O efeito do enriquecimento sem causa difere do efeito de nulidade ou de resolução do negócio jurídico. A nulidade implica o desfazimento ex tunc das relações jurídicas derivadas. As partes devem devolver reciprocamente tudo que receberam, em espécie ou em valor. É o princípio do artigo 182 do Código Civil. A obrigação de restituir estende-se aos benefícios alcançados, inclusive os frutos.

A jurisprudência sintetiza as seguintes condições para a ação in rem verso:

- enriquecimento: é necessário estar presente quando a ação for exercitada. Se, nesse momento, o enriquecimento já se esvaiu, o autor dela será carecedor;

- empobrecimento correlativo: há evidente necessidade de um nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento, isto é, uma correlação na passagem de um valor de uma pessoa para a outra. Também não é necessário que o enriquecimento tenha sido direto, isto é, proveniente de uma relação jurídica entre o enriquecido e o empobrecido. Pode-se ver que o empobrecimento, estritamente, pode até vir a faltar, porque o termo foge ao conceito exclusivamente patrimonial. Nem sempre a questão do empobrecimento será nítida. A noção que sobreleva é a do enriquecimento;

- ausência de causa jurídica;

- ausência de interesse pessoal do empobrecido: o empobrecimento não pode derivar de um relacionamento contratual com o empobrecido, ou de alguma regra legal que os unisse. Não pode haver noção de interesse pessoal, ainda que potencial, referente à pessoa do empobrecido.

A ação é a última ratio de que se pode valer a parte, na inexistência de qualquer outra no sistema jurídico, isto é, na impossibilidade de uma ação derivada de um contrato, ou de um ato ilícito, ou simplesmente da ação de anulação ou nulidade de um negócio jurídico.

A verdadeira do enriquecimento e do empobrecimento nos dará o caso concreto. O equilíbrio das situações, para que, por intermédio de uma ação in rem verso, não se produza novo enriquecimento, será dado pelos Tribunais.

Deve ser dito que, enquanto no pagamento indevido pressupõe-se sempre um pagamento, isto é, por fas ou nefas, a extinção de uma obrigação que poderia não existir, no enriquecimento ilícito, que pode englobar a maioria das situações de pagamento indevido, a situação é geral e não há que se ter em mente a extinção pura e simples de uma obrigação.

O artigo 876 do Código Civil estabelece a obrigação de restituir a “todo aquele que recebeu o que lhe não era devido” e “àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”.

O direito de repetir o que se pagou emerge do fato de não existir débito a ser pago, ou, havendo débito, deveria o pagamento ser dirigido a outra pessoa, o que, em síntese, vem a dar na primeira hipótese. No pagamento indevido é ínsita a noção de intenção de cumprir uma obrigação que não existe, em conseqüência de erro. Desse modo, se o solvens paga, sabendo que não deve, mas, conscientemente, porque quer fazê-lo, não tem direito à repetição.

O pagamento indevido é o efetuado com a intenção de cumprir (animo solvendi), em conseqüência de erro.

Surge, portanto, uma obrigação imposta ao accipiens por lei e que se extingue com a restituição do indevido. Daí sua peculiaridade, pois a causa geradora de tal obrigação é um pagamento, justamente um fenômeno que deve ocorrer para extinguir uma dívida e não para criar outra.

A maioria da doutrina atual considera o pagamento indevido como modalidade do enriquecimento sem causa, apesar de sua individualidade própria.

O artigo 876 do Código Civil dá os contornos do pagamento indevido: todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir. Trata-se de aplicação da condictio indebiti, a aplicação mais ampla condictio sine causa.

O pagamento indevido pode ser encarado sob dois aspectos: objetivo e subjetivo. Pelo primeiro, haverá pagamento indevido pelo simples fato de um pagamento sem causa. Pelo critério subjetivo, exige-se como requisito o erro do solvens. Comumente se denomina o indébito subjetivo ex persona e o indébito objetivo ex re. No critério subjetivo, o erro do solvens é essencial para a repetição – essa é a solução de nosso direito positivo no artigo 877 do Código Civil.

Para que ocorra o pagamento indevido é necessário, primeiramente, o pagamento, o animus solvendi; em segundo lugar, a inexistência do débito (ou o pagamento dirigido a pessoa que não o credor). Quando a obrigação é condicional, antes do implemento da condição, o vínculo não se estabelece, não havendo que se falar de obrigação completa. Com a condição não pode se realizar, o pagamento seria indevido. Já no pagamento feito antes do termo, trata-se apenas de adimplemento antecipado. A obrigação existe, daí porque o pagamento não pode ser repetido.

O erro é elemento do pagamento voluntário. Quem pagou à força, coativamente, não deve provar erro, é evidente. Não só quando houve coação, no sentido estrito, mas também quando o solvens foi colocado em uma situação na qual não tinha saída, como o caso de pagamento de tributos não devidos. Neste caso, o não-pagamento acarretaria uma série de conseqüências nefastas para o contribuinte e não seria justo, do mesmo modo, recusar o indébito do solvens.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quem paga voluntariamente, por mera liberalidade, mesmo sabendo não dever, ou tendo dúvidas acerca da dívida, não pode repetir.

Da redação do artigo 877 do Código Civil defluem os dois requisitos para que haja repetição: a não-existência da dívida e o erro de quem voluntariamente pagou.

O conceito de voluntariedade do Código Civil é restrito. Cinge-se a todo adimplemento que poderia, sem prejuízo para o devedor, deixar de ser feito. Daí porque, sempre que o devedor, em não pagando, se sujeita a penalidades ou à constrição de seu patrimônio, não será o caso de se afirmar tenha sido voluntário o pagamento, para a vontade da lei.

Não se aplica o artigo 877 do Código Civil quando o pagamento ocorreu por constrição na pessoa ou no patrimônio do solvens, por exemplo, quem paga prestação alimentícia que não deve, para não ser preso, ou quem paga dívida inexistente para não ver sua falência decretada. No caso, o erro é irrelevante, bastando que o Estado tenha fixado uma imposição de pagamento, por um tributo, por uma multa, por exemplo. Quando tais situações resultam ilegais, deve ser admitida a condictio, sem exigir o erro, nem mesmo a dívida em pagar, pois há um pagamento constrangido.

Em sede de direito privado, o elemento erro é indispensável, pois, se há pagamento consciente da inexistência da causa jurídica, é de se divisar um animus donandi e não um animus solvendi específico e direto. Existindo, porém, simples dúvida, não adere à conduta do solvens o princípio do artigo 877 do Código Civil: quem duvida se deve, ou a quem deve, tem que se utilizar a ação em consignação em pagamento, sob pena de, pagando, assumir o risco de pagar mal.

A noção de erro sob enfoque, portanto, afasta-se do conteúdo desse vício de vontade na teoria geral dos negócios jurídicos. Nos negócios em geral, e nos contratos, e particular, o erro necessita de requisitos mais estritos. Sua liquidação, uma vez apurada, é em perdas e danos. No pagamento indevido, o erro situa-se no plano de execução de uma prestação, em que, ao lado do erro do solvens, deve ser examinada a posição do accipiens, que, beneficiado pelo erro do primeiro, torna-se responsável por uma repetição com perdas e danos, se for o caso.

Como o contrato, entre nós, é fundamentalmente causal, o erro nele dá margem à ação de anulação, prescritível em quatro anos, a contar da data de realização do contrato. O Código Civil é expresso em limitar o exercício da ação de enriquecimento sem causa a três anos (artigo 206, § 3º, inciso IV). Não tendo a lei se referido expressamente ao pagamento indevido, entende-se que o prazo seja extintivo para a ação dele derivada seja o geral, de 10 anos (artigo 205).

É de se admitir que o erro de fato como de direito. O erro pode ser atinente à existência da própria obrigação, isto é, àquele que paga dívida inexistente, no chamado indébito absoluto. É a situação do indébito objetivo – também aquele que se engana no tocante à prestação, solvendo-a erroneamente, dando uma coisa por outra. O direito à repetição também aqui surgirá, só que, com a devolução do objeto da prestação, não se extingue o vínculo, cuja obrigação não foi solvida. A restituição, mantém, neste último caso, íntegro o vínculo da obrigação. Também é cabível a restituição quando se paga mais do que se deve. A restituição restringe-se ao excesso, como os requisitos da situação ora estudada. Trata-se de erro quantitativo.

O pagamento de dívida condicional, antes do implemento do evento incerto, é caso especial de pagamento indevido, de acordo com o artigo 876 do Código Civil, segunda parte. Subordinando-se o ato à condição suspensiva, enquanto esta não se realiza, não se adquire o direito visado. Enquanto meramente condicional, o credor da dívida tal não tem mais do que direito eventual. Aquele que paga dívida antes de realizada a condição posiciona-se de forma idêntica a quem paga por erro, pois o débito poderá vir a concretizar-se ou não. Donde então a mesma conseqüência, pois quem recebe dívida condicional, nessa premissa, fica obrigado a restituir. Tal enquadramento é a aplicação da condictio sine causa.

Já a solução não é a mesma no tocante ao prazo, pois aquele que paga dívida antes do prazo solve obrigação existente e supõe-se que renunciou ao benefício do prazo.

Ao tratar do pagamento indevido, em três situações, não obstante a existência de um pagamento sem substrato jurídico, a lei exclui o direito à repetição: no tacando ao pagamento de dívida já prescrita; ao pagamento de obrigação natural e na situação em que se deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei.

O pagamento de dívida prescrita é verdadeira renúncia do favor da prescrição. Quem recebe dívida prescrita não se locupleta indevidamente, pois, conforme a distinção tradicional na doutrina, a prescrição extingue a ação, mas não o direito. Mesmo prescrita a dívida, de qualquer modo, persiste a obrigação moral do devedor.

Do mesmo modo que as dívidas prescritas, as denominadas obrigações naturais, judicialmente inexigíveis, da mesma natureza, não conferem ação, direito de exigir seu cumprimento.

Diz o artigo 883 do Código Civil que “não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”. É de se notar que tolhido estará o direito de repetir se a torpeza, segundo se depreende do dispositivo legal, foi do solvens, razão pela qual não haverá direito à repetição. Assim, será irrelevante a torpeza do enriquecido.

Quem recebe de boa-fé, referentemente a uma dívida verdadeira, não tem razão alguma para manter em seu poder o título ou as garantias de sue crédito. Para o accipiens, aí, trata-se de dívida extinta. Assim, quem recebe pagamento por conta de dívida verdadeira, ou inutiliza o título, ou deixa prescrever a ação cabível, ou abre mão das garantias do crédito, para ele resolvido, não é obrigado a restituir. No entanto, o solvens não perde de todo sua possibilidade de ressarcimento, fincando-lhe resguardada a via repressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador, na forma do artigo 880, in fine, do Código Civil. A finalidade do artigo não refoge ao princípio geral da garantia e segurança das relações sociais, pois o credor que recebe dívida, crendo-a verdadeira, não tem nenhuma razão para manter o título e suas garantias.

O fato de o pagamento referir-se a um imóvel não altera da incidência dos artigos 876 e 877 do Código Civil. Quando, no negócio, ambas as partes procederam sem má-fé, o accipiens é tratado como possuidor de boa-fé, com direito aos frutos percebidos e indenização por benfeitorias úteis e necessárias, podendo levantar as voluptuárias. São quatro as hipóteses a serem consideradas quando da alienação do imóvel indevidamente recebido em pagamento:

- accipiens aliena de boa-fé por título oneroso: nesse caso, verificando-se que o pagamento foi indevido, fica o accipens obrigado a entregar ao proprietário, isto é, o solvens, o preço que recebeu do adquirente;

- accipiens aliena de boa-fé por título gratuito: a lei protege o que teve empobrecimento indevido de seu patrimônio, permitindo-lhe reivindicar o bem imóvel, ainda que o adquirente a título gratuito esteja de boa fé;

- accipiens aliena a terceiro de má-fé: a reivindicação também é autorizada;

- má-fé do accipiens: a solução dependerá do ânimo do terceiro. Se estiver de má-fé, admite-se a reivindicação, uma vez que não há razão para proteger-se a má-fé. Porém, se o accipiens estava de má-fé e o terceiro de boa-fé, em respeito, ainda, à aparência, mantém-se o negócio e, incontestavelmente, terá o accipiens que reembolsar o solvens, com indenização por perdas e danos, em razão da sua malícia.

É na equidade e nos princípios gerais de direito que encontramos o nascedouro dos princípios do enriquecimento sem causa é do pagamento indevido. É na aplicação do direito natural que encontramos o fundamento do dar a cada um aquilo que é seu, a ninguém prejudicar e viver honestamente.

Fonte: Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Sílvio de Salvo Venosa.

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