segunda-feira, 16 de maio de 2011

A Preclusão no Processo Civil

A preclusão é definida como a perda de uma situação jurídica ativa processual: seja a perda do poder processual das partes, seja a perda de um poder do Juiz.
O processo é uma marcha para frente, uma sucessão de atos jurídicos ordenados e destinados a alcançar um fim, que é a prestação da tutela jurisdicional. Trata-se de um método de solução de conflitos, que se vale de um conjunto de regras que ordenam a participação e o papel dos sujeitos do processo. A esse conjunto de regras, dá-se o nome de formalismo processual.
A preclusão é instituto fundamental para o bom desenvolvimento do processo, sendo uma das principais técnicas para a estruturação do procedimento e, pois, para a delimitação das regras que compõem o formalismo processual. A preclusão apresenta-se, então, como um limitador do exercício abusivo dos poderes processuais das partes, bem como impede que questões já decididas pelo magistrado possam ser reexaminadas, evitando-se, como isso, o retrocesso e a insegurança jurídica.
Não há processo sem preclusão. É possível que o formalismo processual minimize a preclusão em certas situações, sem, porém, eliminá-la.
Com base na conhecida classificação proposta por Chiovenda, fala-se em três espécies de preclusão: temporal, consumativa e lógica.
A classificação é feita com base no fato gerador (fato jurídico) da preclusão (perda do prazo, ato incompatível com o exercício do poder). A preclusão, nesta classificação, é efeito jurídico que decorreria sempre da prática de atos lícitos ou em razão de um ato-fato lícito. Exatamente por causa disso, a doutrina costuma relacionar a preclusão aos ônus processuais e repelir a identificação do instituto com a sanção (conseqüência da prática do ato).
Sucede que é possível cogitar de preclusão decorrente da prática de um ato ilícito. Cabe ao legislador determinar a eficácia jurídica que pretende ver produzida a partir de um fato jurídico. Nada impede que o legislador atribua uma mesma eficácia a um ato lícito e a um ato ilícito: veja, por exemplo, o dever de indenizar, que tanto pode decorrer de um ato ilícito (artigo 186 do CC) como de um ato lícito (artigo 188, inciso II c/c artigo 929 do CC).
Assim, a preclusão é efeito jurídico que pode decorrer dos seguintes fatos jurídicos (em sentido amplo):
a) um ato-fato lícito caducificante: a inércia, pouco importa se culposa ou não, por um lapso temporal, que conduz à perda de uma faculdade/poder processual (preclusão temporal);
b) um ato jurídico em sentido estrito lícito de cunho impeditivo: de um lado, a adoção de um comportamento pela parte ou pelo Juiz impede, de imediato, a adoção de outro com ele incompatível, (perda dessa faculdade/poder processual por preclusão lógica); de outro, a consumação de uma faculdade/poder atribuído pela lei, obsta que esse mesmo poder volte a ser exercido (preclusão consumativa);
c) ato ilícito caducificante, um ato contrário ao direito, que conduz à perda de um poder/faculdade processual.
A preclusão temporal consiste na perda do poder processual em razão do não exercício no momento oportuno; a perda do prazo é inércia que implica preclusão (art. 183 do CPC).
Nossos doutrinadores têm certa dificuldade de visualizar preclusão temporal para o Juiz, como perda do poder processual por não tê-lo exercido no momento oportuno. Isso porque os prazos para o Juiz são impróprios e não-preclusivos.
A preclusão lógica consiste na perda de faculdade/poder processual por se ter praticado ato incompatível com seu exercício. Advém, assim, da prática de ato incompatível com exercício da faculdade/poder processual.
Também há preclusão lógica em relação ao magistrado. Dá-se, por exemplo, quando o Juiz concede uma tutela antecipada com base no abuso do direito de defesa, o que é incompatível com uma recusa em condenar o réu por litigância de má-fé com base no mesmo comportamento abusivo. Também não se permite que o magistrado, no julgamento antecipado da lide, conclua pela improcedência, sob o fundamento de que o autor não provou o alegado. Se o magistrado convoca os autos para julgamento antecipado, é porque entende provados os fatos alegados.
Importante que se perceba que a preclusão lógica está intimamente ligada à vedação ao venire contra factum proprium (regra que proíbe o comportamento contraditório), inerente à clausula geral de proteção da boa-fé. Considera-se ilícito o comportamento contraditório, por ofender os princípios da lealdade processual (princípio da confiança ou proteção) e da boa-fé objetiva.
A preclusão não é efeito do comportamento contraditório (ilícito); a preclusão incide sobre o comportamento contraditório, impedindo que ele produza qualquer efeito.
A preclusão consumativa consiste na perda de faculdade/poder processual, em razão de ter sido exercido, pouco importa se bem ou mal exercido. Já se praticou o ato processual pretendido, não sendo possível corrigi-lo, melhorá-lo ou repeti-lo. Observa-se quando já se consumou a faculdade/poder processual.
É possível que a preclusão decorra da prática de um ato ilícito. Neste caso, a preclusão terá natureza jurídica de sanção.
Há ilícitos que geram a perda de um poder ou direito (na verdade, perda de qualquer categorial eficacial ou situação jurídica ativa). São chamados de ilícitos caducificantes. Os atos ilícitos que não têm eficácia de dever indenizativo e importam em perda de direitos, pretensões, ações ou exceções são ditos caducifantes, espécie de fato precludente. Quer dizer: a sua eficácia consiste em que direitos, pretensões, ações ou exceções caiam.
Há alguns exemplos no direito positivo, em que se vislumbra a perda de um poder processual (preclusão), como sanção decorrente da prática de um ato ilícito: a) perda da situação jurídica de inventariante, em razão da ocorrência dos ilícitos apontados no artigo 995 do Código de Processo Civil; b) a confissão ficta, decorrente do não-comparecimento ao depoimento pessoal, que é considerado um dever da parte, implica preclusão do direito de provar fato confessado, mas, desta feita, como decorrência de um ilícito (descumprimento de um dever processual).
A partir deste panorama das diferentes espécies de preclusão, é fácil concluir que, de regra, se está diante de um efeito jurídico. Mas nem sempre é efeito a preclusão. Ela pode compor o suporte fático de algum fato jurídico.
Veja o caso da coisa julgada (efeito jurídico). A preclusão é elemento do suporte fático do fato jurídico composto consistente na prolação de decisão de mérito, fundada em congnição exauriente, acobertada pela coisa julgada formal (preclusão temporal máxima), cujo efeito é a formação da coisa julgada material.
A preclusão também pode compor o suporte fático de fato jurídico invalidante de ato processual: é o que ocorre com a interposição intempestiva de um recurso.
Questiona-se se a preclusão seria uma sanção.
A maior parte da doutrina, baseada em Chiovenda, entende que não. Entende-se que a preclusão está intimamente relacionada com o ônus, que, como se sabe, é situação jurídica consistente em um encargo do direito. A parte detentora do ônus deverá praticar o ato processual em seu próprio benefício, no prazo legal, e de forma correta: se não o fizer, possivelmente este comportamento poderá acarretar conseqüências danosas para ela. Nada teria a ver, porém, com a sanção.
A sanção decorre da prática dos atos ilícitos, já a preclusão é conseqüência da prática de determinados atos lícitos.
Cabe, ainda, diferenciar preclusão temporal, prescrição e decadência. Isso porque confusões podem ser feitas entre tais institutos pelo fatos de todos eles relacionarem-se à idéia de tempo e de inércia.
Caducidade é designação genérica para a perda de uma situação jurídica. A preclusão e a decadência são exemplos de caducidade.
A decadência é a perda do direito potestativo, em razão do seu não-exercício dentro do prazo legal ou convencional. Aproxima-se da prelcusão temporal por também se referir à perda de um direito decorrente da inércia do titular – ou seja, em razão de ato-fato caducificante. Distancia-se, contudo, por se referir, em regra, à perda de direitos pré-processuais, enquanto a preclusão temporal refere-se sempre à perda de faculdades/poderes processuais. Além disso, a preclusão pode decorrer, como visto, de outros fatos jurídicos, além da inércia, inclusive de um ato ilícito (a decadência sempre decorre de um ato-fato lícito).
Já a prescrição é o encobrimento (ou extinção, conforme artigo 189 do CC) da eficácia de determinada pretensão (perda do poder de efetivar do direito a uma prestação), por não ter sido exercitada no prazo legal. Apesar de decorrer de uma inércia do titular do direito – também ato-fato caducificante –, não conduz à perda de direitos, faculdades ou poderes (materiais ou processuais), como a preclusão e a decadência, mas sim, ao encobrimento de sua eficácia, à neutralização da pretensão – obstando que o credor obtenha a satisfação da prestação almejada.
Enquanto a prescrição relaciona-se, em princípio, aos direitos de uma prestação de cunho material, a preclusão temporal refere-se, tão-somente, a faculdades/poderes de cunho processual.
Demais disso, prescrição e decadência são institutos de direito substantivo, enquanto a preclusão é instituto de direito processual. A prescrição e a decadência ocorrem extraprocessualmente – malgrado sejam ambas reconhecidas, no mais das vezes, dentro de um processo –, e suas finalidades projetam-se, também fora do processo: visam à paz e à harmonia sociais, bem como à segurança das relações jurídicas. Já a preclusão temporal ocorre, sempre e necessariamente, no bojo do processo, e sua finalidade precípua restringe-se, igualmente, à esfera processual; visa, sobretudo, ao impulso do desenvolvimento, de forma segura e ordenada, para que chega ao seu ato final (prestação da jurisdição).
A doutrina e a jurisprudência têm por sinônimas as designações preclusão judicial ou preclusão pro judicato, que nada mais seriam do que a perda de um poder do Juiz.
A observância das preclusões simples, que ocorre ao longo do processo, funciona como uma forca motriz deste efeito, impulsionando-o obstinadamente rumo ao seu destino final (provimento jurisdicional). Chegado ao seu fim, tem-se a preclusão máxima – a irrecorribilidade da decisão final, chamada por alguns de coisa julgada formal – que, recaindo sobre provimento jurisdicional de mérito e fundado em cognição exauriente, projeta efeitos para fora do processo: forma-se a coisa julgada material.
A inobservância da preclusão pode conduzir a invalidades processuais.
Acaso a parte/Juiz, ao arrepio da preclusão, insista em exercer o poder processual perdido, praticando ato processual que não mais caberia praticar, este ato (extemporâneo, contraditório ou repetitivo) será defeituoso. E ato processual defeituoso, quando gera prejuízos para as partes ou para o interesse público deve ser invalidado.
Constata-se, assim, que a preclusão tem um cunho eminentemente preventivo/inibitório. Visa inibir a prática de ato ilícito processual invalidante: a) ao obstar que alguém adote conduta contraditória com aquela outra anteriormente adotada – o que denotaria sua deslealdade; b) ao impedir que reproduza o ato praticado; c) ao evitar a prática de atos intempestivos, inadmissíveis por lei. Mas, praticado o ilícito invalidante prejudicial às partes ou ao interesse público, inevitável é a imputação da sanção de invalidade.

Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.