sábado, 20 de junho de 2009

Aspectos jurídicos da falência – a sombra dos tempos de crise I

Apesar dos efeitos da crise financeira internacional no Brasil trem sido menores que os esperados por muitos economistas (felizmente!), o tema falência vez ou outra ronda as manchetes dos jornais. De fato, a retração econômica está invariavelmente associada ao fechamento de empresas. Quando em estabelecimento comercial fecha suas portas é comum ouvirmos que ele faliu, contudo, nem sempre isso ocorre, pois a falência demanda um processo judicial, cujas particularidades exigem um procedimento especial. O ordenamento jurídico conferiu novo tratamento à falência por meio da Lei 11.101/2005 e atualizou o vetusto instituto, adaptando-o às modificações ocorridas ao longo das mais de seis décadas de vigência do Decreto-Lei 7.661/45.

Tal como a pessoa física, assumir obrigações perante terceiros faz parte da existência de uma pessoa jurídica e, da mesma forma, ela pode ter as dívidas superiores às suas possibilidades de pagamento.

Assim, para se evitar injustiça aos credores, é curial dar àqueles que estão em igualdade de condições as mesmas chances de recebimento do crédito – o princípio do par conditio creditorium – , razão pela qual a lei lhes confere uma proteção especial por meio do instituto da falência.

A princípio, é sujeito à execução concursal todo e qualquer exercente de atividade empresarial, contudo, por diversos motivos, a lei excluiu total ou parcialmente determinadas categorias de empresários do regime falimentar. Estão totalmente fora do alcance das regras falimentares: as sociedades civis; as empresas públicas, sociedades de economia mista; as câmaras prestadoras dos serviços de compensação e de liquidação financeira; as entidades fechadas de previdência complementar. No intuito de proteger os usuários dos serviços, estão parcialmente fora do regime da falência e sujeitas a regime especial de liquidação: as instituições financeiras; as sociedades arrendadoras que exclusivamente ofereçam leasing; as sociedades que se dediquem à exploração de consórcio, fundos de mútuo e serviços afins; as companhias de seguro; as entidades abertas de previdências complementar; as operadoras de planos privados de assistência à saúde.

Se a crise atingiu o empresário em cheio e não lhe sobrou alternativa senão recorrer ao Juízo falimentar, impende esclarecer o processo como se dá a execução concursal dos bens de uma pessoa jurídica no direito brasileiro.

O processo de falência é constituído por três etapas distintas: pedido de falência (etapa pré-falimentar); etapa falencial propriamente dita (inicia-se com a sentença declaratória de falência e perdura até o encerramento desta); reabilitação (declaração da extinção das responsabilidades de ordem civil do falido). No caso de omissão da Lei de Falências – Lei 11.101/2005, aplica-se subsidiariamente as normas comuns do direito civil, penal ou do processo civil. O Juízo da falência é universal, ou seja, atrai todas as ações referentes os bens, interesses e negócios da massa falida. São exceções a esta regra: ações não-reguladas pela lei falimentar em que a massa falida for autora ou litisconsorte ativa; reclamações trabalhistas; execuções tributárias; ações de conhecimento em que a União for interessada; ação que demanda obrigação ilíquida.

A LF determina que o empresário, quando não satisfizer os requisitos autorizadores da recuperação judicial, requeira a autofalência, contudo, é uma determinação desprovida de eficácia prática, pois o não atendimento ao comando legal não acarreta nenhuma sanção. Para o pedido de autofalência possuem legitimidade ativa concorrente o cônjuge sobrevivente, os herdeiros, o inventariante e o sócio da sociedade devedora, ainda que limitada ou anônima.

A regra geral é o pedido de falência feito pelo credor e a lida diária informa que tal instrumento tem servido de eficaz meio de cobrança, portanto, desvirtuando por completo a mens legis. Observa-se que o credor tem pouco interesse (quiçá nenhum) na falência da sociedade, pois o que se almeja é o recebimento do seu crédito, sem que para isso tenha que se instaurar uma execução coletiva, medida que acarretará a pulverização dos ativos entre todos os credores.

Para requerer o pedido de falência, o credor empresário deve comprovar sua condição. A ação deve ser instruída com o título, ainda que não vencido – no caso da prática de atos de falência ou quando o fundamento é outro título não pago no vencimento. Quando se tratar de autofalência, o pedido do devedor deve vir instruído com uma demonstração contábil dos três últimos exercícios, a relação dos credores e o contrato social, se inexistente, a relação dos sócios e outros indicados pelo artigo 105 da LF. O rito prevê a citação do empresário devedor para responder (contestar) no prazo de 10 (dez) dias. Se o pedido fundamentar-se na impontualidade injustificada ou execução frustrada, o devedor pode elidi-lo ao depositar em Juízo, no prazo da resposta, o valor correspondente ao débito, atualizado monetariamente e acrescido de juros e correção monetária.

Apesar do nome que o legislador impingiu, a sentença declaratória de falência tem caráter eminentemente constitutivo, uma vez que após a prolação, a pessoa, os bens, os atos jurídicos e os credores do empresário falido são submetidos a um regime jurídico específico. Além dos requisitos genéricos de qualquer sentença, aquela que declara a falência deve conter a identificação do devedor; a localização do estabelecimento principal; se for o caso, a designação dos sócios que responderão ilimitadamente ou dos representantes legais da sociedade falida; o termo legal da falência (lapso temporal anterior à decretação da quebra em que os atos do falido são ineficazes perante a massa – até noventa dias do primeiro protesto ou da petição inicial), se possível; a nomeação do administrador judicial; além de outros elementos indicados por lei. No momento da falência, o Juiz pode determinar a adoção de medidas cautelares no interesse da massa, v. g., o seqüestro de bens. A sentença declaratória de falência desafia agravo de instrumento. 

Observa-se que, não obstante à nomenclatura inicialmente adotada pelo Decreto-Lei 7.661/45 e encampada pela Lei 11.101/2005, a decisão que decreta a falência reveste-se de caráter interlocutório, haja vista que ela apenas encerra uma fase do procedimento falimentar, aquela em que um único credor questiona em Juízo a capacidade de o empresário cumprir suas obrigações, valendo-se para tanto do pedido de falência. Comprovada a impossibilidade de o empresário solver a dívida, tem início, nos mesmos autos, a fase da execução concursal. Logo, a sentença declaratória de falência é uma decisão interlocutória que põe fim a uma fase do processo falimentar, tanto que contra ela não e cabível o recurso de apelação.

Se o pedido de falência for julgado improcedente e comprovada a má-fé do requerente, o Juiz pode no ato da sentença condená-lo no pagamento de indenização em favor do requerido, além das verbas de sucumbência. A sentença que denega o pedido de falência pode ser objeto de recurso de apelação, no prazo de 15 (quinze) dias.

Fonte: Manual de Direito Comercial – Direito da Empresa. Fábio Ulhoa Coelho.

 

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