sábado, 20 de junho de 2009

Aspectos jurídicos da falência – a sombra dos tempos de crise II

Continuando o post anterior....

A administração da falência é feita por três agentes; o Magistrado, o representante do Ministério Público e os órgãos da falência. O Juiz, em última análise, é o administrador da falência, haja vista que compete a ele superintender as ações do administrador judicial, cabendo-lhe, entre outros atos, autorizar a venda antecipada de bens, pagamentos, aprovar prestação de contas. O representante do Ministério Público intervém no feito no exercício de suas funções constitucionais. Os órgãos da falência são três: administrador judicial, assembléia de credores e comitê de credores.

O administrador judicial é agente auxiliar do Juiz, servidor público para fins penais, que em nome próprio (portanto, com responsabilidade) deve cumprir as funções impostas por lei e também representar a comunhão de interesses dos credores. O munus é indelegável, contudo, o administrador judicial, mediante autorização do Juiz, pode contratar profissionais para auxiliá-lo. As formas para o administrador judicial deixar suas funções são a substituição e destituição (pressupõe que as obrigações não foram cumpridas a contento e acarreta a impossibilidade para nova nomeação pelo prazo de cinco anos). Dentre as responsabilidades do administrador judicial destacam-se quatro: verificação dos créditos; relatório inicial; prestação mensal de contas; relatório final (informar o valor do ativo e do produto da realização, bem como do passivo e dos pagamentos feitos e, se não foram totalmente extintas as obrigações do falido, o saldo cabível a cada credor, especificando justificadamente as responsabilidades do falido que perduram). O administrador judicial deve prestar contas em três hipóteses: ordinariamente, a cada mês e ao término da liquidação e, extraordinariamente, quando deixa suas funções por destituição ou substituição.

A assembléia de credores é o órgão da falência composto por todos os credores da massa falida e que tem competência para: aprovar a constituição do comitê de credores e eleger os seus membros; adotar modalidades extraordinárias de realização do ativo do falido; deliberar sobre assuntos de interesse geral dos credores.

O comitê de credores é composto por um representante (cada qual com dois suplentes) dos credores trabalhistas, um dos titulares de direitos reais de garantia e privilégios especiais e um dos quirografários. Os representantes são eleitos pela assembléia e sua função mais importante é fiscalizar as atividades do administrador judicial.

A administração da falência pode ser resumida no seguinte esquema:


Após a prolação da sentença de falência, inicia-se a execução coletiva, ou seja, o processo de falência propriamente dito, cuja essência, visa a apuração do ativo e do passivo do devedor empresário.

A verificação de créditos é tarefa do administrador judicial e, se os credores divergirem da relação apresentada, cabe ao Juiz dirimir a questão. Após a publicação da relação de credores (no caso da autofalência é dever de o devedor apresentar, sob pena de desobediência e no prazo de cinco dias seguintes à falência, a lista dos credores com a indicação dos respectivos créditos e a classificação de cada um). A relação de credores é publicada no órgão oficial, se possível, concomitante à sentença que decreta a falência, tendo os credores o prazo de quinze dias para conferi-la. Aqueles que não foram relacionados pelo administrador judicial, devem promover a competente habilitação de crédito, exceto o credor fiscal e os titulares de créditos remanescentes da recuperação judicial que tinham sido definitivamente incluídos no quadro geral de credores já elaborado. O administrador judicial analisa as habilitações apresentadas, podendo rejeitar aquelas que julgar impertinente, republicando o quadro de credores.

No dez dias seguintes os credores e os demais sujeitos da falência (com exceção do Magistrado, é claro) podem apresentar impugnação à nova relação de credores. As impugnações são autuadas em apartado é podem ser reunidas em função da identidade de objeto. Os impugnados têm cinco dias para contestação, após, deverá ser promovida a intimação do falido e do comitê de credores (se existente) para, no prazo comum de cinco dias, manifestarem-se. Vencido o prazo, os autos são submetidos ao administrador judicial para exarar parecer em cinco dias. Depois da instrução do feito, os autos são conclusos ao Juiz para decidir se a relação republicada está correta ou se tem razão o impugnante. Quanto às demais, segue-se o procedimento comum ordinário para decisão. A sentença proferida na impugnação é atacável por agravo de instrumento.

A liquidação do processo falimentar inicia-se com sua instauração. Possui dois objetivos: a realização do ativo e o pagamento do passivo. A venda dos bens arrecadados pode ser feita englobada ou separadamente, por propostas ou pregão, segundo a conveniência da massa. É da competência do Juiz decidir entre as alternativas aquela que melhor atende ao interesse dos credores. Ressalte-se que a intimação do representante do Ministério Público é essencial para a regularidade do feito. No processo de falência é irrelevante a distinção feita pela lei civil entre a praça e o leilão, pois, neste caso, a venda dos bens móveis ou imóveis sempre se dará por hasta pública, na modalidade leilão. Se for escolhida a venda por propostas, deverá haver publicação na imprensa oficial e em jornal de grande circulação, intimando os interessados para apresentarem suas propostas ao escrivão em envelopes lacrados, os quais abertos pelo Magistrado em dia e hora previamente designados. 

O pregão consiste na combinação das modalidades anteriores. Se as proposta a diferença entre as proposta for de até 10% (dez por cento), os proponentes serão intimados entre eles para proferirem lances orais. 

A realização do ativo por forma diversa daquelas preceituadas em lei depende de autorização judicial ou a concorrência da vontade de, pelo menos, 2/3 do passivo admitido em assembléia geral convocada para esse fim. Nesta última hipótese, será indispensável a homologação pelo Juiz (apenas analisa-se o aspecto da legalidade, não se adentra no mérito da deliberação).

Nas sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada, os bens destes serão arrecadados junto com os bens sociais, contudo, em face do princípio da subsidiariedade, somente ocorrerá venda se a alienação dos bens da sociedade não quitar os débitos. Se o acionista ou sócio da sociedade limitada não houver integralizado, totalmente, o seu capital social, caberá ao administrador ajuizar, independentemente da prova da insuficiência dos bens sociais, ação para integralização. Também neste caso os bens dos acionistas ou dos sócios serão vendidos após os da sociedade.

A realização do ativo envolve a cobrança dos créditos do falido, podendo, o administrador judicial, mediante autorização do Magistrado e após a oitiva do comitê de credores, oferecer abatimento para aquelas dívidas cujo recebimento seja considerado difícil. Nesse ponto, verifica-se que a LF buscou a satisfação, ainda que parcial, dos credores. O numerário auferido com a venda dos bens do falido será deposito em instituição financeira e a movimentação dependerá de autorização judicial.

Finalizada a venda dos bens arrecadados, o administrador judicial deve apresentar sua prestação de contas e, após o julgamento destas, o relatório final no prazo de dez dias, sob pena de crime de desobediência. Apresentado o relatório, será proferida sentença declarando o encerramento da falência, devendo ser publicada por edital, e, neste caso, o recurso cabível é a apelação.

Após o encerramento do processo, o falido poderá ter interesse em promover sua reabilitação, que e essencial para o exercício da atividade empresarial. A reabilitação compreende a extinção das responsabilidades civis e penais. Para fins civis, a extinção das obrigações compreende: pagamento (antes ou depois da sentença de encerramento da falência) dos créditos ou novação daqueles com garantia real; rateio de mais de 50% (cinqüenta por cento) do passivo, após a realização de todo o ativo, sendo facultado o depósito para se atingir esta porcentagem; decurso do prazo de cinco anos após o encerramento da falência, se não houve crime falimentar; decurso do prazo de dez anos após o encerramento da falência, se houve condenação em crime falimentar; prescrição das obrigações anteriormente ao decurso dos prazos decadenciais anteriormente citados (a declaração de falência suspende os prazos prescricionais das obrigações do falido, que recomeçam após o trânsito em julgado da sentença de encerramento).

O falido deverá apresentar prova da quitação dos tributos relativos ao exercício do comércio e, após a oitiva das partes e, se for o caso, o representante do Ministério Público, o Juiz proferirá a sentença. Caso tenha ocorrido condenação por crime falimentar, o falido deverá requerer sua reabilitação penal, a qual somente poderá ser concedida após o transcurso de dois anos, contados do cumprimento da pena. Se não for requerida a reabilitação penal, os efeitos da inabilitação limitam-se a cinco anos, contados da extinção de punibilidade.

Como foi visto, cerrar as portas de um estabelecimento comercial não indica a falência da sociedade, porquanto o processo falimentar comporta diversas peculiaridades e envolvem vários sujeitos, não se restringindo a um só devedor. 

Cumpre ressaltar que a Lei 11.101/2005, com o instituto da recuperação judicial, buscou impedir o uso indevido do processo de falência, tendo em vista que era inegável a sua utilização para coagir o empresário a saldar seus débitos por um modo mais célere (o volume de processos de uma Vara de Falências é flagrantemente menor do que de uma Vara Cível) e eficaz (o não pagamento do débito redundaria na extinção da pessoa jurídica), contudo isto é um tema para outro post...

Fonte: Manual de Direito Comercial – Direito da Empresa. Fábio Ulhoa Coelho.

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