terça-feira, 7 de julho de 2009

Atos Administrativos - I

A máquina administrativa não é estática, ao revés, é um ser pulsante que necessita estar em constante movimento para a manutenção do Estado. Para isso, tal como o particular, é necessário que sejam praticados atos – unilaterais ou não – no entanto, sempre com o mesmo fim, qual seja, satisfazer o interesse público.

A Administração Pública realiza sua função executiva por meio de atos jurídicos que recebem a denominação especial de atos administrativos.

O conceito de ato administrativo é fundamentalmente o mesmo do ato jurídico, do qual se diferencia como uma categoria informada pela finalidade pública. Assim, ato administrativo (unilateral) é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. O ato formado pela vontade única da Administração é o ato administrativo típico, porquanto os atos bilaterais constituem os contratos administrativos.

Do conceito de ato administrativo é possível se extrair a distinção entre ele o fato administrativo, o qual é uma atividade pública material em cumprimento a uma decisão administrativa, portanto, desprovida de conteúdo de direito. Diante disso, o fato administrativo só interessa de modo reflexo ao Direito, em razão das conseqüências jurídicas que sua prática pode acarretar à Administração e aos administrados.

Tal qual o ato jurídico, a formação do ato administrativo demanda a presença de determinados requisitos que compõem sua infraestrutura, qualquer que seja sua modalidade. Os pressupostos são: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Sem a convergência desses elementos o ato não se aperfeiçoa e, consequentemente, não terá validade. Conquanto não sejam pressupostos do ato administrativo, concorrem para sua formação e validade o mérito administrativo e o procedimento administrativo.

A competência administrativa é o poder atribuído ao agente público para o desempenho específico de suas funções. Resulta da lei e é por ela delimitada. O ato praticado por agente incompetente ou realizado além do limite cominado à autoridade é inválido. Por ser um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados, contudo, pode ser avocada e delegada, de acordo com as normas reguladoras da Administração.

A finalidade que se exige do ato administrativo constitui o objetivo de interesse público a atingir e é elemento vinculado de todo ato administrativo. É aquela que a lei indica explícita ou implicitamente, de modo que não cabe ao administrador, ainda que visando o interesse público, escolher uma ou outra, bem como substituir aquela indicada pela norma. A alteração de finalidade caracteriza desvio de poder e dá ensejo à invalidação do ato.

Em princípio, todo ato administrativo é formal e a não observância desse requisito afeta sua própria existência. Toda forma estabelecida para o ato é substancial e, via de regra, de ser escrita, muito embora existam atos exteriorizados em ordens verbais e sinais convencionais. As exceções somente são admitidas em casos de urgência e transitoriedade, bem como quando o assunto for irrelevante para a Administração. A revogação ou a modificação do ato deve obedecer à mesma forma do ato originário, uma vez que o elemento formal é vinculado tanto para sua formação, quanto para o desfazimento ou alteração. A forma, visualizada como o revestimento material do ato, não se confunde com o procedimento, entendido como o conjunto de operações exigidas para a perfeição do ato administrativo.

O motivo (ou causa) é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. Ele pode vir expresso em lei – hipótese em que será elemento vinculado – ou deixado a critério do administrador – será discricionário quanto à sua existência e valoração. A motivação difere do motivo, pois é a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e fundamentos jurídicos do ato. Em regra, a motivação é obrigatória, seja na atuação vinculada ou discricionária, exceto quando a lei a dispensar ou se a natureza do ato for incompatível. Assim, fica o agente obrigado a justificar a existência do motivo, sem o quê o ato será inválido ou invalidável por ausência de motivação. O agente, mesmo que a norma não exigida motivação, fica vinculado aos motivos aduzidos, sujeitando-se a demonstrar a efetiva ocorrência.

O objeto do ato administrativo é o seu conteúdo, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade ou atesta situações pré-existentes. Nos atos discricionários, o objeto fica na dependência da escolha do Poder Público, constituindo essa liberdade opcional o mérito do ato administrativo. Diante disso, não se pode, em tal elemento, substituir o critério da Administração pelo pronunciamento do Poder Judiciário, sob pena de interferência no mérito administrativo.

A fim de se evitar interferências na conduta administrativa, como pode ser identificado o mérito administrativo? Ele consubstancia-se na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato. Neste caso, a Administração está autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Em contraposição, existem os atos vinculados, nos quais toda atuação do administrador se resume no atendimento das imposições legais. Cabe registrar que, em qualquer espécie de ato administrativo, serão sempre elementos vinculados: competência, finalidade e forma. Entretanto, em se tratando de ato discricionário, a Administração pode livremente decidir a respeito do motivo e objeto, sem que haja interferência do Poder Judiciário (salvo quando há desvio ou excesso de poder).

O mérito administrativo possui sentido próprio e diverso do mérito processual, abrangendo apenas elementos não vinculados do ato, ou seja, aqueles que admitem valoração da eficiência, oportunidade, conveniência e justiça. Mesmo no exercício do poder discricionário, o ato administrativo pode ser revisto ou anulado pelo Poder Judiciário, desde que o mérito administrativo acolha qualquer ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder.

Diferenciando-se do ato administrativo, o procedimento administrativo é a sucessão ordenada de operações que propiciam a formação de um ato final objetivado pela Administração. Constitui-se de atos intermediários, preparatórios e autônomos, mas sempre interligados, que se conjugam para dar conteúdo e forma ao ato principal e final colimado pelo Poder Público. A preterição de atos preparatórios ou sua realização em desconformidade com a norma disciplinadora do procedimento podem acarretar na nulidade do ato final, desde que se trate de operações essenciais ou de requisitos de legalidade do ato principal. Em face do conceito, não se confunde o procedimento administrativo com o ato administrativo complexo, nem com o composto (os quais serão objeto de análise posterior).

Os atos administrativos carregam determinados atributos para distingui-los dos atos jurídicos: presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade.

Independentemente da norma legal que o estabeleça, o ato administrativo nasce com a presunção de legitimidade, característica essa que decorre do princípio da legalidade da Administração. Ademais, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público. Assim, os atos administrativos são tidos e havidos como verdadeiros até prova em contrário. Portanto, o ônus da prova de invalidade do ato administrativo, qualquer que seja ela, é daquele que a invoca. Até sua anulação, o ato administrativo terá plena eficácia (idoneidade que se reconhece ao ato para produzir seus efeitos específicos).

Desde que se completa o procedimento formativo, o ato adquire existência legal, tornando-se eficaz e vinculativo para a Administração que o expediu enquanto no for revogado, estando, portanto, apto a produzir seus efeitos finais. Contudo, o ato administrativo pode não ser exeqüível por lhe faltara verificação de uma condição suspensiva, a chegada de um termo ou, ainda, a prática de um ato complementar. A eficácia distingue-se da exeqüibilidade, pois a primeira é a aptidão para atuar, ao passo que a segunda é a disponibilidade do ato para produzir imediatamente seus efeitos finais. A eficácia é um consectário da existência do ato válido, enquanto a exeqüibilidade é uma condição de operatividade do ato perfeito. A eficácia é um minus em relação à exeqüibilidade. O ato administrativo perfeito não é o que está apenas acabado (eficaz), mas sim completo (exeqüível), pela ocorrência de todas as condições de sua operatividade.

A imperatividade é o atributo do ato administrativo que impõe a coercibilidade para seu cumprimento ou execução. Não está presente em todos os atos, pois alguns deles a dispensam, por desnecessário à sua operatividade. Decorre da existência do ato administrativo, não dependendo da sua declaração de validade ou invalidade. Todo ato dotado de imperatividade deve ser cumprido ou atendido enquanto não for revogado ou anulado.

A autoexecutoriedade consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam a imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial. Atua pela utilização, por parte do administrador, dos chamados meios diretos de coerção administrativa, de modo a tornar possível obter, por coação absoluta, a própria prestação exigida do administrado, ou, na sua impossibilidade, outra equivalente. As prestações tipicamente administrativas, principalmente as decorrentes da utilização do poder de polícia, podem ser exigidas e executadas imediata e diretamente pela Administração, sem intervenção de ordem judicial.

Em que pese o disposto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, que assegura o contraditório e a ampla defesa, não foi banido o jus imperium da Administração Pública, nem a possibilidade cautelar do adiantamento da eficácia de medida administrativa. O pedido cominatório previsto no artigo 287 do Código de Processo Civil é uma faculdade conferida ao Poder Público, sem qualquer caráter obrigatório, mesmo porque a lei federal não poderá impor ao Governador estadual ou municipal formas de procedimento administrativo, o que violaria a autonomia destes entes federados.

Continua....

Fonte: Direito Administrativo Brasileiro. Hely Lopes Meirelles.

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