quarta-feira, 1 de julho de 2009

"Entrar" com uma ação em Juízo - II

Como foi visto, a ação é um direito subjetivo exercido em face do Estado e submetido a determinadas condições. Satisfeitos os pressupostos, as ações podem ser classificadas de acordo com a natureza do provimento pedido.

A ação de conhecimento visa ao provimento de mérito (julgamento da causa). Subdividem-se da mesma forma dos provimentos cognitivos (sentenças de mérito): meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.

As ações classificam-se, ainda, em executiva (busca um provimento satisfativo) e cautelar.

A doutrina civil tradicional classifica as pretensões deduzidas em Juízo, com base em dados de direito substancial. Assim, as ações são classificadas em patrimoniais (pessoais ou reais), em contraposição às prejudiciais; em ações imobiliárias, contrapostas às mobiliárias; ações repersecutórias, penais e mistas; ações petitórias e possessórias.

É freqüente a classificação das ações em ordinárias e sumárias (comuns e especiais). Em verdade, trata-se do rito do procedimento a ser adotado para o julgamento da causa, não se confundindo com o a ação.

O processo penal não admite a classificação das ações segundo a pretensão, pois ela sempre é a mesma: a punição do infrator. A ação penal é classificada segundo o critério subjetivo, isto é, tomando em consideração o sujeito que a promove. Dessa forma, a ação penal pode ser: pública (condicionada ou incondicionada) ou de iniciativa privada (exclusivamente privada ou subsidiária da pública).

Quando a ação penal depende de requisição ou representação, uma vez satisfeito o requisito, o Ministério Público assume em toda sua plenitude a posição de dominus litis, sendo irrelevante uma vontade contrária do ofendido ou da Administração. Na ação penal subsidiária da pública, o órgão ministerial deve intervir obrigatoriamente em todos os atos do processo e poderá retomar a condução como parte principal em caso de negligência do requerente. Neste tipo de ação penal não poderá ser concedido perdão, pois o artigo 105 do Código de Processo Penal só admite este ato em caso de ação que se procede exclusivamente mediante queixa.

As ações trabalhistas classificam-se em individuais e coletivas, cuja sentença vale para toda categoria e sua imposição pode fazer-se por ações individuais. A eficácia erga omnes dessas sentenças ocorre pelo fato de o provimento destinar-se ao tratamento coletivo da questão levada a Juízo. Em todos os casos de substituição processual, a sentença abrange o substituto (sindicato) e o substituído (a categoria profissional), daí porque o provimento judicial atua também para os futuros contratos, individuais ou coletivos. A ação de cumprimento descrita no artigo 872 da Consolidação das Leis do Trabalho encontra fundamento na eficácia ultra partes da sentença. Cumpre registrar que os dissídios coletivos subdividem-se em primários (a sentença não é condenatória, é constitutiva, não comporta execução) e secundários (objeto das ações de extensão e revisão). Outro processo coletivo de competência da Justiça do Trabalho é a ação civil pública trabalhista, em defesa de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ligados às relações de trabalho.

Analisada a natureza jurídica da ação, tida como um direito subjetivo, foi visto que o autor pode exigir do Estado a prestação da tutela jurisdicional, contudo, seguindo os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o réu tem o direito a impugnar os fatos levados a Juízo por meio da exceção.

O acolhimento do pedido do autor importa no reconhecimento da juridicidade de sua pretensão e leva, assim, a interferir na esfera jurídica do réu, cuja liberdade sofre uma limitação ou uma vinculação de direito. A demanda inicial apresenta-se, pois, como o pedido que uma pessoa faz ao órgão jurisdicional de um provimento destinado a operar na esfera jurídica de outra pessoa. Dá-se a esse fenômeno o nome de bilateralidade da ação, que tem por conseqüência a bilateralidade do processo.

Em virtude direção contrária dos interesses, a bilateralidade da ação e do processo desenvolve-se como contradição recíproca. O réu também tem uma pretensão em face dos órgãos jurisdicionais, a qual assume forma antitética à pretensão do autor. É nisso que reside o fundamento lógico do contraditório, entendido como ciência bilateral dos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariá-los. Seu fundamento constitucional é a ampla garantia do direito ao processo e do acesso à Justiça.

Assim, exceção, em sentido amplo, é o poder jurídico que possibilita ao réu opor-se à ação movida pelo autor. Em face disso, a ação tem uma espécie de réplica na exceção, um direito de pedir que a tutela jurisdicional requerida pelo autor seja denegada pelo fato de o réu não se conformar com o direito objetivo, é uma rejeição ao pedido.

A defesa do réu é um direito público subjetivo (ou poder) constitucionalmente garantido como corolário do devido processo legal e dos fundamentos do contraditório. O binômio ação-exceção constitui a própria estrutura do processo. O réu defende-se, entretanto, somente a sentença dirá se sua defesa é fundada ou não. Cumpre registrar que se atribui ao réu a eventualidade da defesa.

A exceção é um direito análogo e correlato à ação, mais parecendo um particular aspecto desta, o qual resulta exatamente da diversa posição que assumem no processo os sujeitos da relação processual. Tanto o direito de ação como o de defesa compreendem uma série de poderes, faculdades e ônus, que visam à preparação da prestação jurisdicional.

Não é correto falar em “ação do réu”, porque não há ação sem interesse de agir e, se a defesa abrange o interesse do réu, este só se defende e não ataca. Mesmo quando o réu alega fatos extintivos ou modificativos que ampliem a matéria que formará o convencimento do Magistrado, não há ampliação do thema decidendum.

Os direitos processuais do réu têm origem em sua convocação a Juízo por meio da citação e conseqüente inserção no processo, de estrutura bilateral e dialética. E o direito ao provimento jurisdicional, formulado pelo autor, corresponde ao direito a que o Magistrado também aprecie os fatos excepcionados. O autor é quem pede; o réu simplesmente impede.

A defesa pode dirigir-se contra o processo, hipótese das exceções processuais; contra a admissibilidade da ação, fala-se em exceção substancial, que, por seu turno, pode ser direta (atacando o fundamento do pedido, a pretensão do autor) ou indireta (opondo fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado, sem eliminar propriamente a pretensão deduzida). Além desses casos, a defesa pode ser de mérito.

Alguns doutrinadores denominam exceção substancial a defesa indireta de mérito, usando o vocábulo contestação para a defesa de mérito. Outros, em vez de exceção substancial nesse sentido mais estrito, falam em preliminar de mérito. Essa classificação é feita em vista da natureza das questões deduzidas na defesa. Em relação aos efeitos das exceções, elas podem ser classificadas em dilatórias – quando buscam procrastinar o curso do processo – ou peremptórias – visam extinguir a relação processual. Pelo ângulo do conhecimento do Juiz, fala-se em objeção, para indicar a defesa que pode ser conhecida de ofício e em exceção, quando alegada pela parte.

Pela sistemática da legislação processual brasileira, usa-se o nome de exceção para indicar algumas exceções processuais, cuja argüição obedece a determinado rito. O termo contestação, no processo civil, toda e qualquer outra defesa, de rito ou de mérito, direta ou indireta, contendo também preliminares.

“Entrar” com uma ação em Juízo não importa unicamente em levar ao conhecimento do Magistrado o direito invocado pelo autor, é essencial que seja oportunizado ao réu opor-se à pretensão deduzida na petição inicial. Assim, se ao autor é conferido o direito subjetivo de reclamar a prestação jurisdicional em razão de uma suposta infringência a um direito seu, do mesmo modo, é inerente ao réu insurgir-se contra a atitude do autor.

Nesse contexto, cabe ao Magistrado analisar aquilo que foi alegado pelo autor, bem como o que foi oposto pelo réu, seja a defesa de mérito ou não, para, enfim, decidir da controvérsia.

A ação judicial é o exercício de um direito subjetivo perante o Estado, contudo, tal atividade não constitui uma via de mão única, ocorre a reverberação a partir do momento em que o réu é citado e, exercendo a faculdade que lhe toca, opõe-se ao pedido do autor.

Fonte: Teoria Geral do Processo. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.

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