terça-feira, 28 de julho de 2009

Ih!? Foi mal... - O erro no Direito Penal

Todos nós já ouvimos ou dissemos a frase: “errar é humano”. De fato, o erro é algo que faz parte da vida, até mesmo contribui para o aprendizado. Contudo, quando o erro ocorre em relação a um fato penalmente relevante, o que diz o ordenamento jurídico? Nesse sentido, o Direito Penal divide o erro em duas vertentes: de tipo e de proibição.

Erro de tipo é o que incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora. É o que faz o sujeito supor a ausência de elemento ou circunstância da figura típica incriminadora ou a presença de requisitos da norma permissiva. Ex: o indivíduo que dispara sua arma de fogo contra um animal e, no entanto, alveja um homem. Não há consciência da conduta e do resultado, bem como do nexo de causalidade. O erro de tipo também pode recair sobre circunstância qualificadora, agravante genérica ou sobre os pressupostos de fato de uma excludente de ilicitude.

Nos termos do artigo 20 do Código Penal, o erro de tipo sempre exclui o dolo, seja evitável ou inevitável. Como o dolo é elemento do tipo, a sua presença exclui a tipicidade do fato doloso, podendo o sujeito vir a responder por crime culposo.

Há delito putativo por erro de tipo quando o sujeito pretende praticar um crime, mas vem a cometer um indiferente penal em face de supor existente uma elementar do tipo (ex. uma mulher que, pretendendo praticar a aborto, ingere substância para tal fim, contudo, a gravidez é inexistente). Distingue-se do erro de tipo porque, no delito putativo por erro de tipo, o agente quer praticar a conduta, mas não consegue diante do erro.

O erro de tipo essencial ocorre quando a falsa percepção impede o sujeito de compreender a natureza criminosa do fato (ex. matar um homem supondo ser um animal). Há erro invencível (escusável ou inculpável) quando não puder ser evitado pela normal diligência; qualquer pessoa, empregando o cuidado ordinário exigido pelo ordenamento jurídico, nas condições que se viu o agente, incidiria no mesmo erro. Por outro lado, ocorre erro vencível (inescusável ou culpável) quando pode ser evitado pela diligência ordinária, resultando da imprudência ou da negligência.

O erro de tipo essencial invencível exclui o dolo e a culpa, pois quando o sujeito incide nesse tipo de erro, não age dolosa ou culposamente. O erro de tipo essencial vencível exclui o dolo, não a culpa, desde que haja a modalidade culposa prevista em lei para o delito.

Erro de tipo permissivo: as discriminantes putativas ocorrem quando o sujeito, levado a erro pelas circunstâncias do caso concreto, supõe agir em face de uma causa excludente de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito).

Tendo em vista que o Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, na presença de discriminantes putativas podem ocorrer as seguintes situações: quando o erro incide sobre os pressupostos de fato excludente, trata-se de erro de tipo, aplicando-se o disposto no artigo 20, § 1º do Código Penal (se inevitável, há exclusão do dolo e da culpa; se evitável, fica excluído o dolo, subsistindo o crime culposo, se previsto em lei). Quando o erro do sujeito recai sobre os limites legais (normativos) da causa de justificação, aplicam-se os princípios do erro de proibição (se inevitável, há exclusão da culpabilidade; se evitável, subsiste o crime doloso, com atenuação da pena).

Admite-se, também, a existência de causas excludentes de culpabilidade (inculpabilidade) putativas, que são, entre outras, a coação moral irresistível putativa e a obediência hierárquica putativa.

Quando o sujeito é induzido a erro por terceiro, estamos diante do erro provocado, cuja determinação pode ser dolosa (se preordenada, caso em que o provocador responde pelo crime a título de dolo) ou culposa (se o terceiro agir com imprudência, negligência ou imperícia, caso em que responde pelo delito a título de culpa). Nesse tipo de erro, quanto ao provocado: em se tratando de erro invencível, não responde pelo crime cometido; tratando-se de erro vencível, subsiste a modalidade culposa, se prevista. Cumpre registrar que não há participação culposa em crime doloso.

Erro de tipo acidental é o que não versa sobre os elementos ou circunstâncias do crime, incidindo sobre dados acidentais do delito ou sobre a conduta de sua execução. Não impede o sujeito de compreender o caráter ilícito de seu comportamento. Mesmo que não existisse, ainda assim a conduta seria antijurídica. O sujeito age com consciência do fato, enganando-se a respeito de um dado não essencial ao delito ou quanto à maneira de sua execução. O erro acidental não exclui o dolo. São casos de erro acidental:

- erro sobre o objeto (errror in objecto): ocorre quando o sujeito supõe que sua conduta recai sobre determinada coisa, sendo que, na realidade, incide sobre outra. O erro é irrelevante, pois a tutela penal abrange a posse e a propriedade de qualquer coisa e não de objetos determinados;

- erro sobre a pessoa (error in persona): aqui há erro de representação, em face do qual o sujeito atinge uma pessoa supondo tratar-se daquela que pretendia ofender. Ocorre um desvio na relação representada pelo agente entre a conduta e o resultado. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não exclui o crime, logo, não isenta a pena (artigo 20, § 3º do Código Penal). Aqui, não devem ser considerados os dados da vítima efetiva, mas sim aquelas aplicáveis à vítima virtual (a que o agente pretendia ofender). Assim, se o indivíduo pretendia cometer um homicídio contra seu pai, mas atinge a um amigo, a agravante deverá incidir.

- erro na execução (aberratio ictus): significa aberração no ataque ou desvio de golpe. Ocorre quando o sujeito, pretendendo atingir uma pessoa, vem a ofender outra. Há disparidade entre a relação de causalidade prevista pelo agente e o nexo causal realmente produzido. A aberratio ictus não exclui a tipicidade do fato. Difere do erro sobre a pessoa pelo fato de que, neste, não há concordância entre a realidade do fato e a representação ao agente (ele supõe tratar-se de uma pessoa quando se cuida de outra). Na aberratio ictus a pessoa visada pelo agente sofre perigo de dano. Assim, o erro sobre a pessoa e a aberratio ictus podem concorrer. Cabe ressaltar que existem duas formas de aberratio ictus: com unidade simples (com resultado único) ou com unidade complexa (resultado duplo).

Quando há erro na execução com resultado único, duas teorias procurar solucionar a questão (ex. de agente que atira em direção à vítima virtual e atinge outra pessoa):

a) se há morte da vítima efetiva, existem dois crimes: tentativa de homicídio em relação à vítima virtual e homicídio culposo em relação à vítima efetiva;

b) vê na aberratio ictus com unidade de resultado um só delito (tentado ou consumado). É a corrente adotada pelo Código Penal e podem ocorrer duas hipóteses: a vítima efetiva sofre lesão corporal – o agente responde por tentativa de homicídio e a lesão corporal culposa sofrida pela vítima efetiva fica absorvida pela tentativa de homicídio; a vítima efetiva vem a falecer – considera a existência apenas do homicídio doloso, conforme se depreende do artigo 73 do Código Penal.

Por outro lado, quando há duplicidade de resultado, é aplicada a regra do concurso formal de crimes, ou seja, incide a pena do delito mais grave, acrescida de um terço a um sexto. No entanto, se a conduta resulta de desígnios autônomos, é aplicável a segunda parte do artigo 73 do Código Penal, logo, as penas serão somadas.

Vale ressaltar que, de acordo com o caso concreto, pode o sujeito não ter agido com dolo ou culpa em relação ao terceiro. Nesse caso, o resultado produzido na vítima efetiva não pode ser imputado ao agente. Ele responde pelo delito praticado em relação à vítima virtual, pois entender a questão de modo diverso levaria a aplicação da responsabilidade penal objetiva.

- resultado diverso do pretendido (aberratio criminis/aberratio delicti): significa desvio do crime. Há erro de execução do tipo a persona in rem (o agente quer atingir uma pessoa e ofende outra ou ambas) ou a re in personam (o indivíduo quer atingir a um bem jurídico e ofende outro de espécie diversa). Ocorrendo o resultado diverso do pretendido, responde o agente por culpa (se houver previsão legal); caso ocorra igualmente o resultado querido pelo agente, aplica-se a regra do concurso formal. Assim, na aberratio criminis o Código Penal manda que o resultado diverso do pretendido seja punido a título de culpa, se presentes os pressupostos legais. No caso de duplicidade de resultado pode o sujeito ter agido com dolo direto em relação a um e dolo eventual no tocante ao outro e, em face da produção de dois resultados, responderá por dois crimes, uma vez que resultam de desígnios autônomos (aplica-se a segunda parte do artigo 70, caput do Código Penal).

Conhecer a totalidade das leis vigentes em nosso ordenamento jurídico é uma tarefa hercúlea, quiçá impossível. Não obstante a isso, permanece em pleno vigor o artigo 3º da LICC, o qual dispõe que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Assim, é aplicável o dogma ignorantia legis e neminem excusat, conforme preceitua do artigo 21, caput do Código Penal, segundo o qual o desconhecimento da lei é inescusável.

Os dispositivos legais acima citados não se confundem com a falta de consciência da ilicitude do fato. A impossibilidade de o sujeito conhecer a regra de proibição exclui a culpabilidade.

Erro de proibição: incide sobre a ilicitude do fato. O sujeito, diante do erro, supõe lícito o fato por ele cometido. Ele acredita inexistir a regra de proibição.

O erro de proibição escusável ou inevitável ocorre quando nele incidiria qualquer homem prudente e de discernimento. Já o inescusável ou evitável é se faz presente quando o sujeito incide por falta de cuidado objetivo.

O erro de proibição difere do erro de tipo pelo fato de incidir sobre a ilicitude do fato. O dolo subsiste. A culpabilidade, quando o erro é escusável, fica excluída (o agente é absolvido); quando inescusável, atenuada, reduzindo-se a pena de um sexto a um terço, nos termo do artigo 21, caput do Código Penal.

O erro de proibição ocorre: a) na presença de erro ou ignorância de direito (o sujeito não conhece a norma jurídica ou não a conhece bem e a interpreta mal – erro de proibição direto); b) quando da suposição errônea de causa de exclusão de ilicitude não reconhecida juridicamente (erro indireto); c) discriminantes putativas (o sujeito supõe erradamente que ocorre a uma causa excludente de ilicitude – erro indireto).

Não se pode olvidar que a ignorância indica a ausência absoluta de conhecimento a respeito de determinada matéria. O erro implica no conhecimento acerca de certa matéria, que se supõe verdadeiro quando é falso. O erro de direito (ignorância de direito) pode ser inescusável/evitável (atenua responsabilidade, reduzindo a pena) ou escusável/inevitável (exclui a culpabilidade). Há delito putativo por erro de direito quando o sujeito supõe estar praticando um crime, porém não há norma incriminadora definindo o fato.

Se a má interpretação versar sobre norma extrapenal haverá erro de direito. No entanto, se o erro incidir sobre o fato constitutivo da matéria extrapenal, ocorrerá o erro de tipo (primeira parte do artigo 20, caput do Código Penal), excludente do dolo e, em conseqüência, da tipicidade do fato.

A suposição de causa excludente da ilicitude é caso de erro de proibição, excludente da culpabilidade, quando inevitável; atenuador da pena, quando evitável.

Fonte: Direito Penal – Volume I. Damásio Evangelista de Jesus.

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