sábado, 25 de julho de 2009

Obrigação tributária - considerações

Pagar tributo é algo que ninguém gosta, contudo, é um mal necessário. Sem a participação da sociedade no financiamento da atividade do Poder Público, a vida do próprio Estado estaria comprometida. Quantas vezes não almejamos serviços públicos de qualidade? A irresginação com os sistemas de saúde, educação e segurança ecoam em toda sociedade e, somente através da atividade tributária, o Estado encontra os meios necessários para satisfazer aos anseios da população. O brasileiro suporta uma enorme cara tributária, contudo, a aplicação dos recursos auferidos da atividade tributária é tema de foge a nosso propósito. Limitamo-nos a analisar a obrigação tributária.

A relação tributária, como qualquer relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em lei em sentido estrito (salvo no caso de obrigação acessória) como capaz de produzir esse efeito. A lei descreve um fato e atribui a ele o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador (fato imponível), nasce a relação tributária. Esta compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação) e o direito do Estado (sujeito ativo). O dever e o direito são efeitos de incidência da norma.

O objeto da obrigação tributária principal é a prestação à qual se obriga o sujeito passivo e possui natureza patrimonial (obrigação de dar). É sempre uma quantia em dinheiro. No caso da obrigação acessória, seu objeto sempre não será de ordem patrimonial e sim uma obrigação de fazer.

A obrigação é um primeiro momento da relação tributária, seu conteúdo ainda não é determinado e o seu sujeito passivo não está formalmente identificado e, por isso, a prestação respectiva ainda não é exigível. O crédito tributário é um segundo momento da relação de tributação, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (artigo 139 do CTN); surge com o lançamento, que confere à relação tributária liquidez e certeza.

Obrigação tributária é a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular um crédito.

A obrigação acessória é instituída pela legislação (em sentido amplo), pela simples inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária (artigo 113, § 3º do CTN). O inadimplemento de uma obrigação tributária é uma “não prestação” da qual decorre uma sanção. Em Direito Tributário, as obrigações acessórias só existem em função das principais, embora não haja necessariamente um liame entre ambas. Todo o conjunto de obrigações acessórias existe para viabilizar o cumprimento das principais.

A obrigação tributária é uma obrigação legal por excelência. Surge diretamente da lei, sem que a vontade interfira com o seu nascimento. Suas fontes são a lei (fonte formal) e o fato gerador (fonte material), ambas são indispensáveis. Pode-se dizer que a obrigação principal, oriunda do inadimplemento de outra (principal ou acessória), é obrigação decorrente de ato ilícito.

Nos termos do artigo 114 do CTN, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Há de ser sempre considerado como fato, ainda que se trate de um ato jurídico, no sentido dessa expressão cunhada no Direito Civil.

O fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal (artigo 115 do CTN). Registre-se que uma determinada situação de fato pode ser, ao mesmo tempo, fato gerador de uma obrigação tributária principal e de uma acessória (v. g. dever de pagar ICMS e emitir nota fiscal).

É importante fazer uma distinção entre a expressão hipótese de incidência – que designa com maior propriedade a descrição contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária – do fato gerador, que é a concretização da hipótese.

Podemos assegurar que o Fisco é “muito liberal”, pois a ilicitude do ato praticado nada tem a ver com a relação tributária, logo, é indispensável estabelecer-se uma diferença entre o ato ilícito como elemento da hipótese de incidência do tributo e a ilicitude que eventualmente pode verificar-se na ocorrência do fato gerador. Exemplificando: manter uma casa de prostituição é ilegal, contudo a renda auferida pelo exercício dessa atividade será tributada.

O que não se pode admitir é tributo cuja hipótese de incidência seja algo ilegal. Eventualmente a ilicitude pode estar presente no fato gerador, entretanto, sua presença não é necessária para a concretização da hipótese de incidência. Para fins tributários, a circunstância ilícita é inteiramente relevante. Assim, não se podem aceitar opiniões no sentido de que há incidência de tributo em atos juridicamente inválidos. Ao Direito Tributário não importa a validade jurídica, mas a efetividade e a subsistência dos fatos, de sorte que se o próprio fato, em sua consistência econômica deixa de existir, não subsiste a relação tributária.

Para o contribuinte é importante ter ciência de quando se considera consumado o fato gerador do tributo. Sob este aspecto, o Código Tributário Nacional estabelece regras definidoras do momento, mas deixa livre o legislador ordinário para dispor de modo diferente. A lei não pode estabelecer que o fato gerador considere-se consumado antes de estar realmente presente a situação prevista na hipótese de incidência.

Não dispondo a lei de modo diferente, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus feitos: a) em se tratando de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias que se produzam os efeitos geralmente ou ordinariamente, delas decorrentes; b) em se tratando de situação jurídica, desde o momento em que ela esteja definitivamente constituída, ns termos do direito aplicável. Se a hipótese de incidência do tributo é uma prestação de serviços de qualquer natureza, pode-se dizer eu se tem uma situação de fato. Se for a propriedade de um bem imóvel, pode-se dizer que se tem uma situação jurídica. Repise-se: o tributo somente será devido quando consumado o fato sobre o qual incide a norma de tributação, ou seja, quando concretizada a hipótese de incidência.

Como forma de conferir maior efetividade à atividade tributária, foi incluído o parágrafo único ao artigo 116 do CTN para autorizar à autoridade administrativa a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza os elementos constitutivos da obrigação tributária, observando-se os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. Consubstanciou-se, portanto, a norma geral antielisão. Verifica-se certa divergência doutrinária em relação à nomenclatura, pois alguns doutrinadores preferem utilizar a expressão “evasão” para designar a forma lícita de fugir ao tributo e a palavra “elisão” para designar a forma ilícita de se praticar a mesma fuga.

A norma geral antielisão nada mais é que um reforço aos poderes da administração tributária. Colocada como está, em texto de lei complementar, pode ter sua constitucionalidade contestada, pois colide com o princípio da legalidade que tem como desdobramentos essenciais a tipicidade. Vale dizer, a exigência de definição, em lei, da situação específica cuja concretização faz nascer o dever de pagar tributo. Em uma posição mais extrema, pode-se argumentar que, mesmo em nível constitucional, a norma geral antielisão pode considerada ampliação da competência tributária, capaz de amofinar o princípio da legalidade, de modo que se chocaria com o disposto no artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal – cláusula pétrea.

Se alguém realizou a hipótese de incidência tributária mediante um fato circunstancialmente ilícito, nasce e subsiste a relação obrigacional tributária da medida que em perdurar aquele fato no mundo econômico. Se o fato não subsistir, não subsistirão os seus efeitos tributários. Exemplificando: se alguém importa mercadoria proibida, mas a operação é consumada, constatado o fato, é devido o imposto de importação, pois na hipótese de incidência não está a ilicitude como elemento. Outrossim, se a importação de mercadoria proibida foi consumada sob o amparo de medida judicial, não se pode falar em conduta ilícita. Se ocorrer a reforma ou reconsideração da medida judicial, não há transmudação para fato ilícito. A insubsistência da medida judicial, com retorno das partes ao status quo ante, impõe à Administração o dever de restituir o imposto, salvo se não ocorrer o desfazimento da importação no prazo concedida, hipótese em que o perdimento é autorizado ante a configuração de fato ilícito.

A insubsistência de fato tributável, com a completa supressão de seus efeitos econômicos, implica na impossibilidade de exigência do tributo, porque leva ao desaparecimento do suporte fático de incidência da norma de tributação, que é o signo presuntivo de capacidade contributiva. Assim, do ponto de vista da lógica jurídica formal, não se pode mais falar de obrigação tributária, à mingua de fato gerador respectivo. Do ponto de vista axiológico não se pode falar de capacidade contributiva, que desaparece com o perdimento da riqueza sobre a qual incidiria o tributo.

A obrigação tributária pressupõe a existência de um sujeito ativo, titular da competência para exigir o adimplemento da obrigação. Insta, por oportuno, distinguir a competência para instituir o tributo, que decorre da Constituição Federal e é indelegável, da competência para exigi-lo na condição de sujeito ativo, atribuição esta que pode decorrer da lei.

É certo que uma pessoa jurídica de direito privado pode receber a atribuição para arrecadar um tributo. Pode até ser destinatária do produto de sua arrecadação. Mesmo assim ela não poderá ser qualificada como sujeito ativo da obrigação tributária, por lhe faltar competência para exigir o seu cumprimento, no sentido em que esse exigir está empregado no artigo 119 do CTN.

Assim, por titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária, entendemos a pessoa jurídica que tem condições de constituir o crédito, inscrevê-lo em Dívida Ativa e promover a execução fiscal correspondente. Diante disso, certamente não podemos colocar nessa condição a pessoa jurídica de direito privado, nem a pessoa natural – tais pessoas podem receber a atribuição de arrecadar o tributo.

A Constituição atribui às pessoas jurídicas de direito público competência para instituir tributos (competência tributária própria) e quem a tem pode instituir e arrecadá-lo, praticando todos os atos necessários, desde a edição da lei até os atos materiais de cobrança. É a essa competência tributária a que se refere o Código Tributário Nacional ao estabelecer que ela compreende a competência legislativa plena (artigo 6º do CTN). Só as pessoas jurídicas de direito público, dotadas de Poder Legislativo, são titulares da competência tributária própria.

Pode ocorrer que a lei institua um tributo e atribua uma autarquia a titularidade da competência para a respectiva administração e arrecadação (ex. contribuições especiais). Cuida-se, neste caso, de competência tributária delegada, que não inclui a competência legislativa. Se considerarmos tributos as contribuições de seguridade social, teremos uma espécie de competência tributária própria da qual é titular de pessoa jurídica não dotada de competência legislativa plena. A autarquia previdenciária tem competência para edição de normas complementares, que integram a legislação tributária, mas não normas infralegais. Às pessoas jurídicas de direito privado (ex. bancos) podem apenas ser atribuídas as funções ou encargos de arrecadar, o que não constitui delegação de competência tributária, nos termos do artigo 7º, § 3º do CTN.

Na outra extremidade da obrigação tributária, temos aqueles fadados à observância das normas, ou seja, o sujeito passivo – literalmente, porquanto o poder de império do Fisco, via de regra, exige o cumprimento do dever para depois, se caso, questioná-lo. Conforme a sua relação com um fato gerador da obrigação, pode o sujeito passivo da obrigação ser: a) contribuinte, quando tenha relação direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador – sujeito passivo direto; b) responsável, quando, sem ser contribuinte sua obrigação de pagar decorre de dispositivo expresso em lei – sujeito passivo indireto.

A vinculação do sujeito passivo indireto pode dar-se por transferência ou por substituição. Ocorre a transferência quando existe legalmente o sujeito passivo direto e mesmo assim o legislador, sem ignorá-lo, atribui também a outrem o dever de pagar o tributo, tendo em vista eventos posteriores ao surgimento da obrigação tributária. Já a substituição ocorre quando o legislador, ao definir a hipótese de incidência, coloca desde logo como sujeito passivo da relação tributária que surgirá de sua ocorrência alguém que está a ela diretamente relacionado, embora o fato seja indicador de capacidade contributiva de outros, aos quais, em princípio, poderia ser atribuído o dever de pagar, e que, por suportarem o ônus financeiro do tributo, são chamados de contribuintes de fato.

O substituto legal tributário pode ter ou não o direito de transferir ao contribuinte de fato o ônus do tributo. Como o princípio da capacidade contributiva foi adotado pela Constituição Federal (artigo 145, §1º), a outorga desse direito de desembolso é necessária à validade jurídica da substituição, especialmente nos casos em que o substituto não tenha efetiva capacidade contributiva.

Questão que reiteradamente chega ao Poder Judiciário diz respeito às convenções particulares relativas à pagamento de tributos, como, por exemplo aquela à quitação do IPTU pelo locatário. Sem discutir a justiça ou não da medida, tais convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo.

As convenções são juridicamente válidas entre as partes contratantes, contudo, nenhum efeito produz contra o Fisco, no que diz respeito à responsabilidade tributária. Vale ressaltar aquele que assumiu a responsabilidade pelo pagamento tributo, em virtude de contrato com o sujeito passivo, não tem direito de defesa no processo administrativo de constituição e exigência do crédito tributário. Por outro lado, o responsável contratual, em face do legítimo interesse de que é titular, pode questionar judicialmente a exigência do tributo, seja preventivamente (ação declaratória) ou posteriormente (ação anulatória do lançamento respectivo). A impetração de mandado de segurança depende de prévia notificação do sujeito passivo.

Assim como no Direito Civil, em matéria tributária a lei pode prever a existência de mais de um responsável pelo pagamento do tributo. Dessa forma, respondem solidariamente as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal e as expressamente designadas por lei (artigo 124, incisos I e II do CTN). O interesse em comum que constitua o fato gerador da obrigação, cuja presença cria a solidariedade, não é um interesse meramente de fato, e sim um interesse jurídico (ex. o existente entre os cônjuges). A solidariedade tributária não comporta o benefício de ordem (artigo 124, parágrafo único do CTN), logo, as dívidas tributárias podem ser cobradas de qualquer dos sujeitos passivos, salvo disposição legal em sentido contrário.

Não dispondo a lei de modo diverso, nas obrigações que existirem obrigados solidários o pagamento de um aproveita aos demais; a isenção ou remissão do crédito tributário respectivo exonera todos os obrigados, a não ser que tenha sido outorgada a um deles em caráter pessoal, subsistindo, entretanto, a solidariedade em relação aos demais, pelo saldo; a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais (artigo 125 do CTN).

Como dito antes, o Direito Tributário é um dos, quiçá o mais, dinâmico ramo da ciência jurídica, pois não está atrelado ao formalismo de outras vertentes. Nesse A capacidade tributária independe da civil. Mesmo sendo juridicamente incapaz, em face do Direito Tributário o indivíduo tem plena capacidade jurídica (artigo 126, inciso I do CTN). Também não afetam a capacidade jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária as medidas que importem em privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais, profissionais ou da administração de bens (artigo 126, inciso II do CTN). Uma sociedade comercial, mesmo de fato ou irregular, desde que configure uma unidade econômica ou profissional pode ser sujeito passivo (artigo 126, inciso III do CTN). A independência da capacidade é explicada existe porque a obrigação tributária prescinde do elemento volitivo em sua gênese. Nasce dos elementos lei e fato objetivamente considerado, fato jurídico em sentido estrito, onde a vontade é inteiramente relevante. Ao revés, nos atos jurídicos em geral, a vontade é elemento essencial e por isso a lei exige para a validade destes atos o agente capaz.

Em princípio o contribuinte pode escolher seu domicílio tributário. Em se tratando de pessoa natural, se não houver escolha, será o local de sua residência habitual ou, sendo esta incerta e desconhecida, o lugar considerando com centro corriqueiro de sua atividade (artigo 127, inciso I do CTN).

Quanto à pessoa jurídica de direito privado, o domicílio tributário será o local da respectiva sede ou, ainda, em relação a atos e fatos que deram origem à obrigação, o lugar de cada estabelecimento (artigo 127, inciso II do CTN). Se a pessoa jurídica tem vários estabelecimentos, devem ser observadas as seguintes regras: a escolha não pode recair em local fora do território da entidade tributante; no que se refere a tributos cujo fato gerador se verifica em relação a cada estabelecimento (ex. ICMS), a legislação específica geralmente exclui a possibilidade de escolha, determinando que o domicílio tributário seja o local da sede de cada estabelecimento, o qual é considerado um contribuinte isolado; quanto aos tributos dos quais o fato gerador é apurado em relação à sociedade comercial em sua totalidade (ex. imposto de renda) prevalece a liberdade de escolha, com as limitações impostas pela norma tributária. O domicílio tributário das pessoas jurídicas de direito público será qualquer de suas repartições no território da entidade tributante (art. 127, inciso III do CTN).

As limitações ao domicílio tributário determinam que a liberdade de escolha não pode ser usada para impedir ou dificultar a arrecadação ou fiscalização do tributo, caso em que poderá ser recusado o domicílio escolhido. Ocorrendo a rejeição, o domicílio será o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação.

Fonte: Curso de Direito Tributário. Hugo de Brito Machado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário