segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Competência - Considerações Iniciais

A competência é o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito do qual o Juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da jurisdição.

A distribuição de competência se faz por meio de normas constitucionais, de leis processuais e de organização judiciária, além da distribuição interna nos Tribunais, feita pelos seus regimentos internos.

Canotilho identifica dois princípios relacionados à distribuição de competência: indisponibilidade e tipicidade. Esses princípios compõem o conteúdo do princípio do Juiz natural, o qual será desrespeitado se tais princípios forem violados.

O dispositivo do artigo 87 do Código de Processo Civil prevê a perpetuatio jurisdictionis, que consiste na regra segundo a qual a competência é fixada no momento da propositura da demanda, com sua distribuição ou com o despacho inicial, não mais se modifica. Excepcionam-se nos seguintes casos: a) supressão do órgão judiciário; b) alteração superveniente da competência em razão da hierarquia ou da matéria – neste caso, a interpretação deve ser extensiva, pois o legislador quis referir-se a todas as modalidades de competência absoluta, à exemplo dos artigos 102 e 111, ambos do Código de Processo Civil. Tais dispositivos, ao tentarem sistematizar os tipos de competência relativa e absoluta, seguiram o modelo chiovendiano, limitando-se a incluir os critérios hierárquico e material para a primeira espécie, e territorial e em razão do valor da causa, para a segunda, deixando à margem outros critérios (como o pessoal), bem assim inúmeras exceções. O desmembramento da comarca só implicará a modificação de competência se alterar a competência absoluta, inclusive a competência territorial absoluta.

De acordo com os artigos 251 e 252 do Código de Processo Civil, onde houver “mais de um escrivão” os processos deverão ser sorteados dentre aqueles abstratamente competentes, de forma alternada, com rigorosa atenção ao princípio da igualdade. Com isso, se fixa a competência concreta do Juízo, transformando a “competência cumulativa de todos em competência exclusiva de um só dentre todos”. Tais regras são cogentes, indisponíveis, que surgiram no intuito de atender ao interesse público. São, portanto, regras de competência absoluta.

A competência originária é aquela atribuída ao órgão jurisdicional diretamente, para conhecer da causa em primeiro lugar; pode ser atribuída tanto ao Juízo monocrático, que é a regra, como ao tribunal , em algumas situações (ação rescisória e mandado de segurança contra ato judicial, por exemplo). A competência derivada ou recursal é atribuída ao órgão jurisdicional destinado a rever a decisão já proferida; normalmente, atribui-se a competência derivada ao Tribunal. Ambas são espécies de competência absoluta.

A incompetência é defeito processual que, em regra, não leva à extinção do processo, mesmo se se tratar de incompetência absoluta, salvo nas excepcionais hipóteses do inciso III do artigo 51 da Lei n.º 9.099/95, da incompetência internacional (artigos 88 e 89 do CPC) e do § 1º do artigo 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Características das regras de competência absoluta:

- regra criada para atender interesse público;

- a incompetência absoluta pode ser alegada a qualquer tempo, por qualquer das partes, podendo ser reconhecida ex officio pelo magistrado;

- a parte que deixar de alegar no primeiro momento que lhe couber falar nos autos arcará com as custas do retardamento;

- não há forma especial para a argüição de incompetência absoluta, até mesmo porque o magistrado pode conhecê-la de ofício. No entanto, não pode o réu alegar incompetência absoluta por exceção instrumental e querer que essa alegação produza o efeito de suspender o processo, característica das exceções instrumentais;

- reconhecida a incompetência absoluta, remetem-se os autos ao Juiz competente e reputam-se nulos os atos decisórios já praticados;

- a regra de competência absoluta não pode ser alterada pela vontade das partes, nem por conexão ou continência;

- competência em razão da matéria, da pessoa e funcional são exemplos de competência absoluta. A competência em razão do valor da causa também pode ser absoluta, quando extrapolar os limites estabelecidos pelo legislador. Em alguns casos, a competência territorial também pode ser absoluta.

Características da competência relativa:

- regra de competência criada para atender precipuamente a interesse particular;

- a incompetência relativa somente pode ser alegada pelo réu, no prazo de resposta, sob pena de preclusão e prorrogação da competência do Juízo, não podendo o magistrado reconhecê-la de ofício (Enunciado 33 da Súmula do STJ);

- há forma específica de argüição de incompetência relativa: a exceção instrumental. Deve ser ajuizada em peça apartada da contestação e será autuada em apenso. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a alegação de incompetência relativa no bojo da contestação, como preliminar, por não causar prejuízo, não pode ser desconsiderada;

- reconhecida a incompetência relativa, remetem-se os autos ao Juiz competente e não se anulam os atos decisórios já praticados;

- as partes podem modificar a regra de incompetência relativa, assim como por ocasião da conexão ou continência;

- competência territorial é, em regra, relativa. Da mesma forma é a pelo valor da causa, quando ficar aquém do limite estabelecido por lei.

De acordo com o princípio Kompetenz kompetenz (o Juiz tem sempre competência para examinar sua competência), o magistrado incompetente constitucionalmente tem, no mínimo, a competência de reconhecer sua incompetência, o que já revela a existência de ao menos uma parcela da jurisdição. Portanto, não se poderia falar de sentença inexistente, mas de sentença inválida – não se poderia equiparar a sentença de um não-juiz com a de um Juiz que não tenha competência, ainda que constitucional.

A competência internacional visa delimitar o espaço em que deve haver jurisdição, na medida em que o Estado possa fazer cumprir soberanamente as suas sentenças. É o chamado princípio da efetividade, que orienta a distribuição de competência internacional, segundo a qual o Estado deve abster-se de julgar se a sentença não tem como ser reconhecida onde deve exclusivamente produzir efeitos. Princípios que informam as regras de competência internacional:

- plenitudo jurisdicionis: o poder-dever de conceder a prestação jurisdicional nos limites de seu território é pleno e ilimitado, assim proclamado como regra geral pelo direito internacional, excepcionado apenas pelas limitações estabelecidas por sua própria legislação e, em alguns casos, por construção jurisprudencial;

- exclusividade: é aquele em razão do qual os Tribunais de cada país, uma vez acionados, aplicarão sempre as regra delimitadoras de jurisdição que integram a sua própria ordem jurídica;

- unilateralidade: é norma delimitadora da jurisdição estatal, que afirma ou afasta a competência internacional do Estado, não se concede o poder de atribuir competência internacional a outro Estado;

- imunidade da jurisdição: trata-se do princípio segundo o qual a jurisdição deixa de ser exercida em razão da qualidade do réu;

- proibição de denegação da Justiça: para evitar a denegação da Justiça, o Estado inicialmente incompetente para apreciar a demanda, deve julgá-la quando ficar constatado que ela não poderá ser proposta em qualquer outro Tribunal estrangeiro;

- autonomia da vontade: reconhece-se a possibilidade de escolha da jurisdição, em caso de concorrência, inclusive com foro de eleição.

O artigo 88 do Código de Processo Civil especifica as causas em que a competência internacional é concorrente: pode essas causas também ser julgadas por Tribunais estrangeiros. A sentença proferida no estrangeiro será eficaz no território brasileiro, desde que homologada pelo STJ, e acordo com critérios vários, tais como: não ofenda a soberania brasileira, tenha sido examinada por Juiz competente, o processo não esteja viciado, transitada em julgado.

São hipóteses de competência internacional concorrente: a) se o réu estiver domiciliado no Brasil, não importando a sua nacionalidade; b) se no Brasil houver de ser cumprida a obrigação, não importa onde ela foi contraída; c) se a ação originar-se de fato ou ato ocorrido no Brasil.

O artigo 89 do Código de Processo Civil especifica as causas em que a competência dos Tribunais brasileiros é exclusiva. Sentença estrangeira proferida em tais casos não pode produzir qualquer efeito no território brasileiro; será ato sem qualquer importância. Não há como homologá-la no Brasil. São os casos de: a) qualquer ação relativa a imóvel situado no Brasil; b) proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

A ação intentada perante Tribunal estrangeiro não induz litispendência no Brasil, salvo se a sentença estrangeira tiver sido homologada pela Justiça brasileira. Esta regra, naturalmente, só existe em função dos casos de competência concorrente, pois, dessa forma, é natural que a lei interna prefira o julgamento por nossos Tribunais. A verificação de litispendência há de ser feita pelo Juiz de primeira instância, tendo ele que examinar se a sentença proferida no estrangeiro possui certos requisitos de admissibilidade para eventual homologação.

A competência funcional relaciona-se com a distribuição das funções que devem ser exercidas em um mesmo processo. Toma-se por critério de distribuição aspectos endoprocessuais (internos), relacionados com o exercício das diversas atribuições que são exigidas do magistrado durante toda a marcha processual. O critério funcional puro é aquele que poderá ser auferido somente da relação jurídica processual.

Registre-se ser o caso de competência territorial absoluta, semelhante ao regime do foro da situação da coisa, para as ações reais imobiliárias previstas na parte final do artigo 95 do Código de Processo Civil.

O artigo 132 do Código de Processo Civil estabelece o chamado princípio da identidade física do Juiz, segundo o qual o Juiz da sentença deve ser o mesmo que ultimou audiência de instrução e julgamento. Trata-se de regra que deriva do princípio da oralidade, segundo o qual as provas devem ser produzidas perante o magistrado que julgará a causa (são condições a colheita de prova oral e o Juiz não pode, por qualquer motivo, estar afastado ou impedido). Impõe, com isso, hipótese de competência funcional e, pois, absoluta e o desrespeito autoriza o ajuizamento de ação rescisória.

O Código de Defesa do Consumidor determina que o foro competente para a discussão das relações de consumo é o do domicílio do autor-consumidor. O Estatuto do Idoso determina a competência absoluta do domicílio do idoso, para as causas relacionadas a direitos difusos, coletivos, individuais indisponíveis e homogêneos.

O Código de Processo Civil estabelece as regras gerais para as ações reais imobiliárias: competente será o Juízo da situação da coisa, forum rei sitae. São exemplos de ações reais: confessória (reconhecimento e respeito da servidão); demolitória; discriminatória; imissão na posse; publiciana (reivindicatória do proprietário de fato); reivindicatória; negatória (impedir que a plenitude do domínio seja violada por servidão). No entanto, essa escolha não será possível nos casos de demandas que versem sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, nunciação de obra nova, divisão e demarcação de terras. Nesses casos, a competência territorial é absoluta.

A ação pauliana (invalidação de negócio jurídico em razão de fraude contra credores) tem natureza pessoal, mesmo se o negócio que se pretenda desconstituir tiver por objeto um imóvel. As ações edilícias (redibitória e quanti minoris) também têm natureza de ação pessoal, e, mesmo se disserem respeito a imóveis, não se submetem à regra do artigo 95 do Código de Processo Civil. São os meios processuais para dar efeito à garantia de proteção contra vícios ocultos da coisa, poda o adquirente utilizar-se de uma ou de outra, mas não lhe é dado cumulá-las.

A ação ex empto (artigo 500 do CC) também tem natureza pessoal, não se submetendo à regra especial do artigo 95 do Código de Processo Civil. Trata-se de ação para os casos de venda ad mensuram (aquela em que se determina a área do imóvel vendido, estipulando-se o preço por medida de extensão): poderá o comprador ingressar com ação, ao objetivo de que seja entregue a parte faltante da coisa.

O artigo 96 do Código de Processo Civil cuida do foro da sucessão do de cujus. A regra geral é a de que o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio foi réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. Trata-se de competência relativa. Quando o espólio for réu em litígios sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o foro competente é o do domicílio da coisa. Se o de cujus não tinha domicílio certo, o foro será o da situação dos bens ou, se houver bens em diversas localidades, competente será o foro do lugar em que ocorreu o óbito.

Nas ações em que o ausente for réu, o foro será o do seu último domicílio e, nas ações contra incapaz, competente será o do domicílio de seu representante legal.

O artigo 100, inciso I do Código de Processo Civil estabelece um foro da residência da mulher para as ações de anulação de casamento, separação e conversão desta em divórcio. Nas ações em que se pedem alimentos, será o foro do domicílio do alimentando competente para apreciá-las. Quando cumulada com investigação de paternidade, prevalece o foro do alimentando (Enunciado 01 da Súmula do STJ). Na ação revisional de alimentos também incide a mesma regra.

Quando a pessoa jurídica é demandada, competente é o Juízo do lugar onde está a sua sede. Se se tratar de agência ou sucursal, a demanda deverá ser proposta em suas respectivas sedes, se versarem sobre obrigações por elas contraídas. Se ré for sociedade em comum (antiga sociedade de fato), a causa deve ser ajuizada no lugar de sua atividade principal.

A aliena “d” do inciso IV do artigo 100 do Código de Processo Civil estabelece o forum obligationis ou forum destinatae solutionis, o foro para cumprimento de obrigações. A ação em que se exigir o cumprimento de obrigação deve ser ajuizada perante o foro do lugar onde de ser satisfeita. Essa alínea incide para os casos de obrigação contratual.

O inciso V do artigo 100 do Código de Processo Civil estabelece o forum comissi delicti – foro para ação de responsabilidade extracontratual: é o foro do fato ou do ato. Justifica-se a regra como medida de economia, tendo em vista a possibilidade de se fazerem perícias no,local do dano, com menos custos. Quando a reparação do dano se der em razão de acidente de veículo ou delito (ação civil ex delicto): haverá foros concorrentes, pois poderá ser o do autor ou do local do fato, ou ainda, se optar o autor, o geral. O réu não pode opor-se à opção feita pelo autor.

Há uma inclinação predominante no sentido de considerar os foros distritais (a divisão territorial da comarca, que se faz por distritos) absolutos. Tem se entendido que a divisão territorial da seção judiciária gera a hipótese de competência territorial absoluta. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, conforme Enunciado 689 de sua Súmula, permitiu que o segurado, domiciliado em município do interior que possui sede de Justiça Federal, opte a ajuizar a demanda previdenciária no Juízo da capital.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.

Um comentário:

Anônimo disse...

ótimo resumo da parte de competência livro do Fredie Didier!
Me ajudou muito!

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