sexta-feira, 10 de junho de 2011

Arrependimento Posterior, Crime Impossível e Agravação pelo Resultado

Arrependimento Posterior
O arrependimento posterior é considerado uma causa geral de diminuição da pena. Toda vez que o legislador nos fornecer em frações as diminuições ou os aumentos a serem aplicados, estaremos, respectivamente, diante de causas de diminuição ou de aumento de pena. Se essas causas se encontrarem na Parte Geral do Código Penal, receberão a denominação de causas gerais de diminuição ou de aumento de pena; ao contrário, se residirem na parte especial do Código Penal, serão conhecidas como causas especiais de diminuição ou de aumento de pena. Diante da redação do artigo 16 e em virtude da localização no Código Penal, chega-se à conclusão de que o arrependimento posterior é causa geral de diminuição de pena, também conhecida como minorante.
A primeira ilação que se faz do artigo 16 do Código Penal é de que o instituto do arrependimento posterior só é cabível nas seguintes fases:
a) quando reparação do dano ou a restituição da coisa é feita ainda na fase extrajudicial, isto é, enquanto estiverem em curso as investigações;
b) mesmo depois de encerrado o inquérito policial, como as sua conseqüente remessa à Justiça, pode o agente, valer-se do arrependimento posterior, desde que restitua a coisa ou repare o dano por ele causado à vítima até o recebimento da denúncia.
O arrependimento posterior só terá cabimento quando o agente praticar uma infração penal cujo tipo não preveja como seus elementos a violência ou a grave ameaça.
Tal regra é excepcionada, segundo posição do Supremo Tribunal Federal, somente quando o agente cometer o crime previsto no inciso VI do § 2º do artigo 171 do Código Penal (emissão de cheques em provisão suficiente de fundos), aplicando-se, nessa hipótese, o Enunciado n.º 554 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Contentou-se o artigo 16 do Código Penal em permitir a aplicação da causa de diminuição da pena por ele prevista quando o arrependimento posterior for voluntário, não se exigindo, aqui, o requisito da espontaneidade.
Também será beneficiado com o arrependimento posterior aquele que, já tendo sido descoberto pela autoridade policial como autor do delito do furto, devolve a res furtiva tão-somente com a finalidade de beneficiar-se com esse instituto.
Pode ocorrer que terceira pessoa restitua a coisa ou repare o dano em nome do agente. Nessa hipótese, têm-se, pelo menos, duas correntes. A primeira, cuja interpretação atrela-se à letra da lei, exige a pessoalidade do ato, não permitindo a redução da pena se a reparação do dano ou a restituição da coisa forem levadas a efeito por terceira pessoa; a segunda corrente, numa interpretação mais liberal, que atende tanto aos interesses da vítima como aos do agente, permite a aplicação da redução meso que a reparação do dano ou a restituição da coisa tenham sido feitas por terceiros.
A reparação do dano ou a restituição da coisa devem ser totais, e não somente parciais.
No caso de dois agentes que, por exemplo, praticam um delito de furto, pode acontecer que somente um deles (o que detinha em seu poder os bens subtraídos) voluntariamente restitua a res furtiva à vítima. Nessa hipótese, se a restituição tiver sido total, entendemos que ambos os agentes deverão ser beneficiados com a redução, mesmo que um deles não os tenha entregado voluntariamente à vítima.
Se não houver possibilidade de restituição da coisa, para que possa ser aplicada a redução relativa ao arrependimento posterior, é preciso que ocorra a reparação do dano.
Se, no caso, ainda na fase extrajudicial, o agente que tinha a intenção de praticar o crime devolver a res furtiva, pode-se aplicar a redução do arrependimento posterior? Aqueles que respondem afirmativamente à pergunta sustentam que o agente responderá por uma infração penal cujo tipo não prevê como seus elementos o emprego de grave ameaça ou violência contra a pessoa. Somente o agente que desejava praticar o crime de furto é que será beneficiado com a redução do arrependimento posterior, uma vez que responderá por essa infração penal, ficando impossibilitada a sua aplicação ao agente que cometera o crime de roubo.
A diferença básica entre o arrependimento posterior e o arrependimento eficaz reside no fato de que naquele o resultado já foi produzido e neste último o agente impede a sua produção.
Deve ser frisado, ainda, que não se admite a aplicação da redução de pena relativa ao arrependimento posterior dos crimes cometidos com violência ou grave ameaça, não havendo essa restrição para o arrependimento eficaz.
No arrependimento posterior há ma redução obrigatória da pena; no arrependimento eficaz, o agente só responde pelo atos já praticados, ficando afastada, portanto, a punição pela tentativa da infração penal cuja execução havia sido iniciada.
Nos termos do Enunciado n.º 554 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, “o pagamento de cheque emitido sem suficiente provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal”.
Numa interpretação a contrario sensu do referido Enunciado, chega-se à conclusão de que não será possível o início da ação penal se o agente efetuar o pagamento relativo ao cheque por ele emitido sem suficiente provisão de fundos, até o recebimento da denúncia.
A indagação que surge agora é a seguinte: terá aplicação o Enunciado n.º 554 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, mesmo diante do instituto do arrependimento posterior?
A maior parte da doutrina entende de forma positiva, opinando pela aplicação do Enunciado nos casos específicos de cheques emitidos sem suficiente provisão de fundos, ficando as demais situações regidas pelo artigo 16 do Código Penal, quando a ele se amoldarem.
O entendimento sumulado e ratificado posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal diz respeito tão-somente aos cheques emitidos sem suficiente provisão de fundos, e não àqueles falsamente preenchidos por estelionatários, que ao praticam a infração penal prevista no inciso VI do § 2º do artigo 171 do Código Penal, mas, sim, aquela tipificada em seu caput.
Nessa hipótese, embora fique afastada a aplicação do Enunciado n.º 554 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, permitindo o início da persecutio criminis in iudicio, poderá o agente beneficiar-se com a redução relativa ao arrependimento posterior, caso venha a reparar o dano por ele causado.
Pode ocorrer que o agente, mesmo não efetuando a reparação dos danos até o recebimento da denúncia ou da queixa, o faça até o julgamento do seu processo. Nesse caso, embora não seja aplicada a causa geral de diminuição da pena, prevista no artigo 16 do Código Penal, será pertinente a aplicação da circunstância atenuante elencada no artigo 65, inciso III, alínea “b”, segunda parte do Código Penal.
Nos crimes de competência do Juizado Especial Criminal, a composição dos danos, nos crimes em que a ação penal seja de iniciativa privada ou pública condicionada à representação, tem um efeito muito superior. Isso porque diz o parágrafo único do artigo 74 da Lei n.º 9.009/95 que, “tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta renúncia ao direito de queixa ou representação”.
A Lei n.º 9.099/95 não fez distinção se a infração penal foi ou não cometida com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa.
Merece ser observado que embora a lei penal proíba o reconhecimento do arrependimento posterior nos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, isso não impede a aplicação da mencionada causa geral de redução de pena quando se estiver diante de delitos de natureza culposa.

Crime Impossível
O crime impossível veio previsto no artigo 17 do Código Penal: “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
Quando o legislador inicia a redação do artigo que prevê o crime impossível, parte da premissa de que o agente já ingressara na fase dos chamados atos de execução, e a consumação da infração penal só não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.
Por essa razão é que o crime impossível também é conhecido como tentativa inidônea, inadequada ou quase-crime.
Várias teorias surgiram com o escopo de elucidar o crime impossível. Dentre elas destacam-se a teoria subjetiva e a teoria objetiva.
Para a teoria subjetiva, de Von Burti, não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou relativamente ineficazes ou impróprios, pois que, para a configuração da tentativa, basta que o agente tenha agido com vontade de praticar a infração penal. Ressalte-se que o agente, para essa teoria, é punido pela sua intenção delituosa, mesmo que no caso concreto bem algum se colocasse em situação de perigo.
Em lado diametralmente oposto se encontra a teoria objetiva pura. Para essa teoria, não importa se o meio ou o objeto eram absoluta ou relativamente inidôneos para que se pudesse chegar ao resultado cogitado pelo agente, uma vez que em nenhuma dessas situações responderá ele pela tentativa.
Em situação intermediária encontra-se a teoria objetiva temperada, moderada ou matizada, que entende somente puníveis os atos praticados pelo agente quando os meios e os objetos são relativamente eficazes ou impróprios, isto é, quando há alguma possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido.
A teoria objetiva temperada foi adotada pelo Código Penal.
Percebe-se que o artigo 17 do Código Penal considera o crime impossível quando agente, depois de dar início aos atos de execução tendentes a consumar a infração penal, só não alcança o resultado por ele inicialmente pretendido porque utilizou meio absolutamente ineficaz. Meio é tudo aquilo utilizado pelo agente capaz de ajudá-lo a produzir o resultado por ele pretendido.
Meio absolutamente incapaz é aquele de que o agente se vale a fim de cometer a infração penal, mas que, no caso concreto, não possui a mínima aptidão para produzir os efeitos pretendidos.
Não só a absoluta ineficácia do meio inibe a punição pelo crime tentado, como também a absoluta impropriedade do objeto – entendido como tudo aquilo contra o qual se dirige a conduta do agente. Quando o objeto é absolutamente impróprio, não se fala em tentativa. Se alguém atira em direção a outrem que parece dormir, quando, na realidade, já se encontrava morto, não comete o delito de homicídio, haja vista que o objeto é absolutamente impróprio a essa finalidade, pois que só pode causar a morte de quem esteja vivo.
Fala-se em impropriedade relativa do objeto quando a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta do agente é colocada efetivamente numa situação de perigo, ou seja, está apta a sofrer a conduta do agente, que pode vir a alcançar o resultado por ele pretendido inicialmente.
Nos termos do Enunciado n.º 145 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Segundo o posicionamento da Corte Suprema, foi pacificado o entendimento no sentido de que, em determinadas situações, se a polícia preparar o flagrante de modo a tornar impossível a consumação do delito, tal situação importará em crime impossível, não havendo, por conseguinte, qualquer conduta que esteja a merecer reprimenda do Estado.
Uma vez preparado o flagrante pela polícia, a total impossibilidade de se consumar a infração penal pretendida pelo agente pode ocorrer tanto no caso da absoluta ineficácia do meio por ele utilizado como na absoluta impropriedade do objeto.
Há distinção entre flagrante preparado e flagrante esperado. No primeiro, o agente é estimulado pela vítima ou mesmo pela autoridade policial a cometer a infração penal com o escopo de prendê-lo. A vítima e a autoridade policial, e até terceiros que se prestem a esse papel, são conhecidas como agentes provocadores.
Já no flagrante esperado não havia essa estimulação por parte da vítima, da autoridade policial ou mesmo de terceiros, no sentido de induzir o agente à prática do delito. O agente, aqui, não é induzido a cometer delito algum. Nesses casos, a autoridade policial tem prévio conhecimento da intenção do agente em cometer a infração penal, o aguarda, sem estimulá-lo a absolutamente nada, e cuida de todos os detalhes de modo a evitar a consumação do crime. Fala-se, nessa hipótese, em possibilidade de tentativa.
Se o agente, analisando o caso concreto, estimulado ou não a praticar o crime, não tinha como alcançar a sua consumação porque dele soubera com antecedência e a autoridade policial e preparou de modo a evitá-lo, não se pode atribuir-lhe o conatus.
Não importa se o flagrante é preparado ou esperado. Desde que o agente não tenham qualquer possibilidade, em hipótese alguma, de chegar à consumação do delito, o caso será de crime impossível, considerando-se a absoluta ineficácia do meio por ele empregado, ou a absoluta impropriedade do objeto.
Se porventura restar consumada a infração penal, mesmo que tenham sido tomadas todas as providências para evitá-la, o agente responderá pelo crime, haja vista que, nesse caso, tendo conseguido alcançar o resultado inicialmente pretendido, é sinal de que os meios ou os objetos não eram absolutamente ineficazes ou impróprios.
Embora tato o crime impossível como no crime putativo a conduta do agente seja dirigida ao cometimento de uma infração penal, há diferença entre os dois institutos.
No crime impossível existe previsão e nosso ordenamento jurídico da infração penal que o agente pretende praticar. Contudo, por absoluta ineficácia do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.
Já no crime putativo a situação é diversa, pois o agente almeja praticar uma infração penal que não encontra moldura em nossa legislação. O fato por ele praticado é atípico. É considerando, portanto, um indiferente penal.

Agravação pelo Resultado
Nos termos do artigo 19 do Código Penal, “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde do agente que o houver causado ao menos culposamente”.
Ocorre crime qualificado pelo resultado quando o agente atua com dolo na conduta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito ao resultado qualificador. Daí dizer-se que todo crime preterdoloso é um crime qualificado pelo resultado, mas nem todo crime qualificado pelo resultado é um crime preterdoloso. Há, portanto, dolo e dolo, ou dolo e culpa.
Como exemplo do primeiro caso tem-se a lesão corporal qualificada perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Como exemplo de crime preterdoloso pode-se mencionar a lesão corporal qualificada pelo resultado aborto.
A finalidade do artigo 19 do Código Penal é afastar a responsabilidade peal sem culpa (objetiva), evitando-se, dessa forma, que o agente responda por resultados que sequer ingressaram na sua órbita de previsibilidade.
Para que o agente possa responder pelo resultado qualificador é preciso que este, embora previsível, não tenha sido previsto pelo agente. Na lição de Zaffaroni, “não só há responsabilidade penal objetiva quando se pune uma conduta só por ter causado um resultado, senão também quando se agrava a pena pela mesma razão”.
Segundo o artigo 19 do Código Penal, para responsabilizar o agente pelo resultado agravador, exige-se que este o tenha causado, ao menos de forma culposa, isto é, que em virtude de sua inobservância para com o seu dever de cuidado, com a sua conduta permitiu que viesse a ocorrer um resultado que, nas circunstâncias em que se encontrava, lhe era previsível. Se não houver a previsibilidade, um dos elementos necessários à caracterização do delito culposo, o resultado não poderá ser-lhe atribuído.
Rogério Greco entende que embora o ordenamento jurídico preveja uma série de crimes preterdolosos, sua existência contradiz a regra constante do parágrafo único do artigo 18 do Código Penal (salvo nos casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente). Isso porque, nas hipóteses em que o resultado qualificador deva ser atribuído ao agente a título de culpa, não existe nenhuma ressalvas nos artigos constantes do Código Penal ou na legislação extravagante. Em algumas situações o resultado qualificador poderá ser atribuído tanto a título de dolo como de culpa. Exemplo: lesão corporal qualificada pela perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Esse resultado poderá ter sido querido inicialmente pelo agente, fazendo, outrossim, parte do seu dolo, ou poderá ter sido produzido culposamente. Em ambas as hipóteses, o agente responderá pelo delito qualificado.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.