segunda-feira, 13 de junho de 2011

Vícios do Negócio Jurídico: Lesão

A lesão, como meio de viciar o negócio jurídico, é, em síntese, a desproporcionalidade existente nas prestações. É o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes.
O instituto da lesão justifica-se como forma de proteção ao contratante que se encontra em estado de inferioridade. No contrato, mesmo aqueles paritários, ou seja, aqueles em que as partes discutem livremente suas cláusulas, em determinadas situações, um dos contratantes, por premências várias, é colocado em situação de inferioridade. Esse agente perde a noção do justo e o do real, e sua vontade é conduzida a praticar atos que constituem verdadeiros disparates do ponto de vista econômico. É evidente que sua vontade está viciada, contaminada que é por pressões de natureza vária.
Na lesão há elemento objetivo representado pela desproporção do preço, desproporção entre as prestações, mas também há elemento subjetivo, que faz aproximar o defeito dos vícios de vontade, representado pelo estado de necessidade, inexperiência ou leviandade de uma das partes, de que se aproveita a outra das partes no negócio.
O artigo 157 do Código Civil assim define a lesão:



Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os
valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não
se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou
se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.


Poderá alegar lesão qualquer das partes contratantes e não apenas o vendedor.
A Lei n.º 1.521/51, que tipifica os crimes contra a economia popular, assim define uma das formas de usura pecuniária ou real, em seu artigo 4º:



“Obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando de premente necessidade,
inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o
quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida”.


O requisito objetivo configura-se no lucro exagerado, pela desproporção das prestações que fornece um dos contratantes. Pelo que se depreende da lei dos crimes contra a economia popular, tal requisito foi tarifado em um quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
O requisito subjetivo consiste no que a doutrina chama dolo de aproveitamento e afigura-se, como dizem os diplomas legislativos, na circunstância de uma das partes aproveitar-se da outra pela inexperiência, leviandade ou estado de premente necessidade. Tais situações psicológicas são aferidas no momento do contrato.
Verificados esses dois pressupostos, o ato é anulável. Contudo, a solução do vigente ordenamento, já reclamada pela doutrina, permite que o negócio seja aproveitado, conforme o § 2º do artigo 157, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
É irrelevante o fato de o lesado dispor de fortuna, pois a necessidade se configura na impossibilidade de evitar o contrato; a necessidade contratual, portanto, independe do poder econômico do lesado.
Além da necessidade, caracteriza ou pode caracterizar o vício a inexperiência do lesado. Trata-se de pessoa envolvida no negócio sem maiores conhecimento de valores, desacostumada no trato de determinado negócio ou dos negócios jurídicos em geral. Mesmo o erudito, o culto, o técnico pode ser lesado sob determinadas circunstâncias, se não conhece os meandros dos negócios jurídicos em que se envolve.
A leviandade é outro elemento estatuído na lei penal. Trata-se da irresponsabilidade do lesado. É leviano aquele que procede irrefletidamente, impensadamente. O Direito tem o dever de proteger as vítimas contra tais atos.
A lesão só é ocorrível nos contratos comutativos, porque nestes deve haver presumida equivalência das prestações. Os contratos aleatórios, em geral, não admitem esse vício, ao menos como regra geral, pois suas prestações, por natureza, já se mostram desequilibradas.
A desproporção do preço deve ser apurada pela técnica pericial, devidamente ponderada pelo julgador.
A ação judicial contra a lesão visa a restituição do bem vendido, se se tratar de compra e venda, ou restabelecimento da situação anterior, quando possível. Há faculdade de evitar tal deslinde com a complementação ou redução do preço, conforme a situação, o que não desnatura o caráter típico da ação. Fundamentalmente, seu objeto é o retorno ao estado anterior. A pretensão pode conter pedido subsidiário ou alternativo, portanto.
A ação é de natureza pessoal, mas, se versar sobre imóveis, é imprescindível a presença de ambos os cônjuges, segundo exigência do artigo 10, § 1º do Código de Processo Civil.
Se a coisa se encontrar em poder de terceiros, a discussão de direito obrigacional restringe-se essencialmente entre alienante e adquirente. O terceiro será demandado como simples detentor. Se vier a devolver o bem, terá o direito à indenização, seguindo os princípios da evicção.
Como o instituto não se restringe apenas à compra e veda, conforme a natureza do contrato é impossível a volta ao estado anterior, só restando o caminho da indenização, por perdas e danos.
Na lide entre os participantes do contrato lesionário, o terceiro possuidor pode ingressar no processo como assistente, nos termos do artigo 50 do Código de Processo Civil.
Se o terceiro possuidor for demandado para restituir a coisa, deve denunciar a lide ao transmitente, de acordo com o artigo 70, inciso do estatuto processual.
Não é de se admitir que os contratantes renunciem previamente ao direito de anular o contrato por qualquer vício de vontade e muito menos por lesão. Permitir esse artifício equivaleria a anular o princípio da lesão, afastando do Poder Judiciário se exame. O mesmo se diga em relação a qualquer outro vício de vontade.
A renúncia posterior ao ato será válida, se especificado no instrumento o preço real ou justo e se a parte prejudicada se conformar em manter o negócio. De qualquer modo, a renúncia posterior só será válida se ausentes os fatores lesionários.
Para o exame da prescrição, deve ser definido o ato como nulo ou anulável. O ato nulo, segundo a doutrina, ou nunca prescreve, ou prescreve no maior prazo previsto em lei, ou seja, aquele destinado às ações pessoais, 20 anos. No atual Código, os negócios nulos são imprescritíveis. Os atos anuláveis prescrevem em prazos menores, mais ou menos exíguos.
No atual Código, o legislador assume expressamente o prazo decadencial de 4 (quatro) anos, contado do dia em que se realizou o negócio, citando expressamente a lesão (artigo 178, inciso II).


Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa.