quarta-feira, 8 de junho de 2011

Equilíbrio Econômico-Financeiro do Contrato Administrativo

Diversos fundamentos ou critérios têm sido utilizados para servir de parâmetro para obter o reequilíbrio financeiro dos contratos administrativos. Em algumas situações, em razão da previsibilidade do desequilíbrio, o próprio contrato define mecanismos que permitirão a recomposição do que foi originalmente pactuado de modo a evitar perdas ou ganhos exagerados para qualquer das partes. Em outras situações, e diante da certeza de que é impossível prever todas as circunstâncias capazes de afetar a equação financeira do contrato, haverá a necessidade de serem utilizados mecanismos que igualmente irão permitir o reequilíbrio da referida equação, não obstante ele tenha resultado de fatores imprevisíveis.
No Direito Privado, onde prevalece a disponibilidade de vontades das partes, questões relacionadas à manutenção do equilíbrio dos contratos encontram soluções mais fáceis do que as verificadas no âmbito público. Em nome da referida cláusula rebus sic stantibus, verificando-se fatos imprevisíveis e que afetem o equilíbrio econômico do contrato, deve ser promovida a recomposição de modo a restabelecer o seu equilíbrio inicial.
Nos contratos administrativos, os mecanismos e os instrumentos de reequilíbrio financeiro devem estar expressamente previstos nos instrumentos contratuais e na lei. A grande dificuldade consiste exatamente no ato de que é praticamente impossível aos contratos e à lei estabelecerem as situações em que ocorrerá o desequilíbrio contratual e, sobretudo, indicarem as soluções a serem adotadas para recompor esse reequilíbrio.
No âmbito do Direito Administrativo, a primeira decisão acerca do tema foi proferida em 1910 pelo Conselho de Estado da França. Afirmou-se a necessidade da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de concessão sob o argumento de que deve haver honesta equivalência entre o que se concede ao concessionário e o que dele se deve exigir.
Em nosso Direito Administrativo, a Lei n.º 8.666/93 prevê, expressamente, a possibilidade de, por acordo das partes, ser promovida a recomposição do equilíbrio do contrato (art. 65, II, “d”).
Segundo a definição legal, fatos previsíveis, de conseqüências que se possam razoavelmente estimar, não podem servir de fundamento à pretensão de recompor preços. A lei não visa suprir a imprevidência do particular ou a imperícia em calcular o comportamento da curva inflacionária, por exemplo. Apenas o resguarda de situações extraordinárias, fora o risco normal da economia de seus negócios.
De fato, admitir a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos fora das circunstâncias previstas em lei, vale dizer, aceitar a recomposição dos preços nos contratos a todo tempo e modo, na hipótese de o contratante apenas demonstrar alterações na relação econômico-financeira seria negar qualquer sentido ao instituto da licitação e premiar o licitante que, por má-fé ou inépcia empresarial, apresentou proposta que, com o tempo, revelou-se antieconômica.
Variações de custos previsíveis, para mais ou para menos, são normais na atividade empresarial e constituem a álea normal do empreendimento a serem suportadas pelo empresário contratado. Impõe-se, desse modo, a definição dos requisitos necessários à recomposição do equilíbrio econômico do contrato.
Ao admitir a recomposição de preços, a lei prevê os requisitos a serem observados. A aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos pressupõe a ocorrência de fatos: a) imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis; b) estranhos à vontade das partes; c) inevitáveis; d) causadores de desequilíbrio muito grande no contrato.
E certo que as partes têm o direito de promover a recomposição do equilíbrio contratual. Esse direito, além de previsto na Lei de Licitações, é igualmente mencionado no próprio texto constitucional (art. 37, XXI da CF). Porém, o administrador deve agir com grande cautela e sempre justificar com toda a prudência os fundamentos que justificam a aplicação da teoria e o porquê da fixação dos novos valores.
Nesse sentido, são inadmissíveis explicações genéricas haja vista as circunstâncias que afetam o equilíbrio financeiro do contrato impactarem de modo diferenciado diversos insumos que compõem o custo do contrato. É possível que determinados itens que compõem os custos não sejam afetados, ao passo que outros sejam afetados de forma dramática, a ponto de justificarem a aplicação da teoria da imprevisão.
É importante observar que a recomposição não necessariamente irá implicar aumento de preços de contratos. São os fatos imprevisíveis, ou de efeitos incalculáveis, afetarem o equilíbrio do contrato de modo a reduzir os seus custos, deverá ser promovida a devida e proporcional redução dos valores do contrato.
A recomposição com fundamento na teoria da imprevisão deve ser formalizada por meio de termo aditivo ao contrato.
O reajuste de preços está relacionado a variações dos custos de produção que, por serem previsíveis, poderão estar devidamente indicados no contrato. Normalmente, são utilizados como critérios para promover o reajuste do valor do contrato indicies que medem a inflação, índices setoriais, ou índices de variação salarial. As cláusulas que prevêem o reajuste de preços têm o único objetivo de atualizar os valores dos contratos em face de situações simples e previsíveis. Tal medida deve ser vista como meio de reposição de perdas geradas pela inflação.
Importante distinção entre reajuste e recomposição é o fato de que a primeira necessariamente deverá estar prevista no contrato. Se não houver cláusula contratual definindo os critérios de reajuste, ele não há de ser admitido. A recomposição, ao contrário, não há de estar prevista no contrato pelo simples fato de decorrer de fatos imprevisíveis (ou, ainda que previsíveis, de efeitos incalculáveis).
O reajuste, em obediência à legislação que implantou o Plano Real, não poderá ocorrer em período inferiores a 1 (um) ano – contato da data de vigência da proposta, e não da assinatura do contrato ou início de sua vigência); enquanto a recomposição do contrato poderá verificar-se a qualquer tempo.
Em razão de o reajuste já estar previsto no contrato, a sua aplicação não deve ser feita por meio de aditivo. Não se está alterando o contrato, ao contrário, com a aplicação dos critérios de reajuste, estar-se-á tão-somente executando o que já se encontra previsto no contrato. Essa é a razão pela qual o reajuste se formaliza por meio de simples apostilamento, que dispensa, inclusive, publicação.
Modalidade especial de reajustamento do contrato, aplicável tão-somente aos contratos de serviços contínuos, corresponde à denominada repactuação, que se destina a recuperar os valores contratados da defasagem provocada pela inflação e se vincula não a um índice específico de correção, mas à variação dos custos do contrato.
A diferença entre reajuste e repactuação reside no critério empregado, pois, na primeira opção, vincula-se a recomposição a índice estabelecido contratualmente, ao passo que na segunda forma de recomposição, na repactuação, a recomposição do equilíbrio do contrato ocorre por meio de demonstração analítica da variação dos componentes dos custos que integram o contrato, tomando-se como parâmetro a proposta do contratado.
Outro aspecto que caracteriza a repactuação e a distingue do reajuste diz respeito ao critério para contagem do prazo mínimo de um ano. No reajuste, esse prazo, conforme dispuser o contrato e o edital da licitação, pode ser contado da data de apresentação das propostas ou da data da assinatura do contrato. Na repactuação, o interregno mínimo de um ano pode ser contado da data da proposta ou da data o orçamento a que a proposta se referir, conforme disponha o edital da licitação e o contrato. Nesta última hipótese, o orçamento deve referir-se à data do acordo, convenção, dissídio coletivo ou equivalente que estipule o salário vigente à época da apresentação da proposta.
A repactuação se insere como modalidade especial de reajuste, e não de recomposição a partir da teoria da imprevisão, exatamente porque decorre de circunstâncias previsíveis e deve observar o interregno no um ano.
Na hipótese de reajuste, os critérios a serem utilizados para balizar a modificação do valor do contrato já se encontram devidamente disciplinados no próprio contrato pela fixação de índices, e na repactuação, que tem como parâmetro os custos necessários à execução do contrato, faz-se necessária a demonstração analítica da variação dos componentes desses custos do contrato, sem, todavia, impor-se a sua formalização por meio de aditivo.
Sendo a repactuação modalidade especial de reajuste do contrato, deve ser formalizada por meio de simples apostilamento.
A recomposição está relacionada à ocorrência de fatos imprevisíveis, ou ainda que previsíveis, de efeitos incalculáveis, que afetem o equilíbrio contratual. O reajuste será determinado de acordo com índices pré-fixados no próprio contrato. A atualização, ao contrário, está vinculada à possibilidade de atrasos nos pagamentos devidos pela Administração, sendo obrigatória a presença de cláusula de discipline seu pagamento, nos termos do artigo 40, inciso XIV, alínea “c” da Lei n.º 8.666/93.
O contrato deverá indicar em que condições deverão ser efetuados os pagamentos ao contratado. Cumprindo o contratado o que dispõe no contrato, e não efetuado a Administração o pagamento dentro do prazo estipulado, deverá o valor desse pagamento ser atualizado monetariamente.
A atualização ou correção dos pagamentos devidos pela Administração e efetuados fora do prazo fixado no contrato é devida independentemente de previsão no instrumento do contrato.
Tanto o fato da Administração quanto o fato do príncipe são atribuídos à própria Administração contratante; o fato da Administração, porém, é atitude que irá afetar diretamente a execução do contrato, enquanto o fato do príncipe decorre de atos genéricos e abstrato da Administração igualmente capazes de afetar o equilíbrio do contrato.
Tanto na eventualidade de ocorrer o fato do príncipe, quanto na hipótese de fato da Administração, deverá promover-se, por acordo das partes, a modificação do contrato. Isso não implica, evidentemente, que sempre tenha de ser alterado o valor do contrato.
Verificados os fatos justificadores da aplicação da teoria da imprevisão, será promovida a pura e simples recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O objetivo da teoria da imprevisão é restabelecer o equilíbrio inicialmente existente entre as partes, e é realizado pela alteração do valor do contrato. Diante da ocorrência de caso fortuito ou de força maior, o contrato pode ser alterado em diversos e diferentes aspectos. Poder ser promovida, por exemplo, a prorrogação da vigência do contrato, ou alteração do objeto a ser executado.
Em contratos regidos pela Lei n.º 8.666/93, a teoria da imprevisão busca recompor o equilíbrio econômico-financeiro vigente por ocasião da apresentação das propostas pelos licitantes. Nos contratos de concessões e parceiras público-privadas os mecanismos de preservação do equilíbrio financeiro envolvem revisões ordinárias e extraordinárias, e o parâmetro de equilíbrio não necessariamente é aquele definido por ocasião da apresentação das propostas.
As decisões acerca das tarifas decorrentes da recomposição do equilíbrio-financeiro dos contratos devem ser bem fundamentadas, técnica e juridicamente, de modo a permitir a controle da comprovação da legitimidade do processo de execução da política tarifária previamente definida.

Fonte: Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Lucas Rocha Furtado.